por Vera Guimarães Martins Folha de São Paulo
Manchete da Folha na sexta (29): "Odebrecht bancou reforma de
sítio usado por Lula, dizem fornecedores". Foi um furo, e todo furo
merece ser comemorado, mas há neste, em particular, um diferencial que o
torna digno de nota: a revelação do repórter Flávio Ferreira foi obtida
a partir de entrevistas com personagens até então fora do radar dos
investigadores da Lava Jato.
É caso raríssimo de reportagem que não foi calcada em vazamentos ou
depoimentos oficiais, mas em personagens identificados e que falaram às
claras (o chamado "on"), fato inusual em escândalos com personagens
poderosos: a dona da loja que forneceu o material de construção, um
marceneiro, vizinhos e até um engenheiro da Odebrecht na arena do
Corinthians, que, segundo disse ao jornal, fez um bico no sítio de Lula
dando apoio informal e gratuito à obra quando estava de férias –mesmo
sem saber que ela tinha qualquer ligação com o petista.
Quem acompanha esta coluna sabe que ela é crítica à dominância dos
vazamentos anônimos. Não por algum purismo romântico –afinal, grandes
furos nasceram assim–, mas por convicção de que o noticiário alimentado
por fontes anônimas e desapegado de provas deveria ser a exceção. Na
Lava Jato, foi a regra, principalmente na fase inicial.
Não foi a única inflexão acarretada pela megaoperação. Há não muito
tempo, era o jornalismo investigativo que acionava o gatilho dos
escândalos nacionais e "puxava as penas" que revelavam galinhas
insuspeitas, para usar a metáfora atribuída ao ministro Teori Zavascki,
do STF. A Lava Jato mudou esse eixo, graças, talvez, à combinação de
dois movimentos opostos e independentes que ocorreram simultaneamente:
um de contração, forçado por contingências setoriais, outro de expansão,
forjado na maturidade das instituições.
Nos últimos anos, as Redações encolheram, perderam parte dos
profissionais mais experientes e foram sobrecarregadas com a demanda
imediata da cobertura digital.
Ao mesmo tempo, instituições como o Ministério Público e a Polícia
Federal aprenderam com fracassos anteriores, ganharam musculatura e
"expertise" e assumiram protagonismo inédito. Em parte atordoada pelos
solavancos internos, a imprensa se acomodou e foi a reboque.
A reportagem apurada em Atibaia inverteu esse roteiro e impôs sua
própria agenda, trilhando o passo a passo clássico do trabalho de
repórter: frequentou a cidade, conheceu e deu-se a conhecer, conversou e
apurou para contar uma história que estava logo ali, à procura de
autor.
extraídaderota2014blogspot
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