Carlos Alberto Sardenberg: O Globo
incomunicável, de Atibaia ao mundo
Até dá para entender. Com tanto grampo e com tanta quebra de sigilo, é
realmente prudente que uma pessoa muito visada evite ter um celular
normal, com nome e número conhecidos por todo mundo. Sem contar o risco
de ter vazada uma conversa particular, tem o problema do assédio. Mas,
especulemos: se um dos donos do Sítio Santa Bárbara, de Atibaia, quiser
saber se está tudo bem quando Lula estiver lá num fim de semana, como
faz?
Ou ainda, se um dos advogados precisar checar uma informação urgente relativa às diversas investigações em andamento?
Poderiam ligar, já que a Oi instalou uma antena de celular bem ali na entrada do sítio.
Mas não vai dar. O Instituto Lula informa que o ex-presidente não usa
celular. E como essa informação foi dada quando jornais perguntaram se o
ex-presidente tinha algo a dizer sobre a tal antena da Oi, deve-se
entender que a negativa tem sentido amplo. Algo assim:
ninguém ligado ao ex-presidente usa celular, nem ele, nem sua família,
nem seus assessores, nem ninguém que esteja trabalhando para ele. Isso
quer dizer que não usam também essas coisas de internet vinculadas ao
celular, como WhatsApp e mesmo e-mails.
Quer se comunicar? Tem que ir pessoalmente.
Vai daí, imaginem a situação da Oi ou de alguém por lá. Pois alguém da
empresa deu ordens para que a operadora instalasse uma antena ao lado do
sítio. Reparem: só a Oi colocou antena ali. Gastou dinheiro com isso:
aluguel do terreno, compra de equipamentos, colocação da torre, salários
de funcionários e vigias.
— E tudo isso pra quê, idiota(s)? Não sabia(m) que Lula não usa celular?
Poderia ter ocorrido em algum escritório da Oi, não poderia? O(s) cara(s) tentaria(m) se defender:
— Como a gente ia adivinhar?
— Você(s) não era(m) amigos dele? — insistiriam.
Tudo considerado, se a Oi quis fazer um favorzinho ao ex-presidente, gastou dinheiro por nada, tal é a história. Parece absurda?
Pois tem mais. Uma dúvida aqui: o Instituto Lula quis dizer que o
ex-presidente, no sentido amplo, não usa celular só quando vai a Atibaia
ou em nenhum lugar, nem no apartamento em São Bernardo, nem no
escritório do instituto? Que não usa celular da Oi ou de nenhuma
operadora?
Seria realmente uma situação inédita: um ex-presidente, da importância de Lula, incomunicável, de Atibaia ao mundo.
Parece ridículo, não é mesmo?
E é mesmo?
Então, por que estamos falando disso? Porque revela um padrão de
comportamento político que é uma combinação de falta de respeito e
incompetência.
Reparem: o sítio está lá; foi reformado para a família Lula; as
melhorias incluem a antena da Oi; a operadora tem sociedade com um dos
filhos de Lula; tem no seu controle acionário a OAS, cujos funcionários
andaram lá pelo sítio; a OAS está na Lava-Jato; a antena praticamente só
dá sinal para o sítio; o ex-presidente foi lá mais de cem vezes, com
familiares e seguranças.
E daí?
Vem o Instituto Lula e diz que o ex-presidente não usa celular.
Como podem ter pensado e, pior, divulgado uma coisa tão falsa e tão ridícula?
Capaz de ser coisa de advogado à antiga, daquele tempo que se derrubava
qualquer coisa nos tribunais com qualquer filigrana, por mais ridícula
que fosse. Tipo assim: Lula não usa celular, não tem aparelhos
registrados em seu nome, logo não pode ser considerado beneficiário do
favor da antena.
Os seguranças usam celular? Os familiares?
Não interessa, não é do ex-presidente.
Só falta dizer que Lula nem sabia que o pessoal usava celular.
Encontra-se esse tipo de coisa em todas as investigações da Lava-Jato ou ligadas a ela.
Manobras para atrasar os processos, tentativas de desclassificar as
acusações (lembram-se do mensalão? “Caixa dois não é crime”) e
tentativas de excluir o acusado “que não sabia de nada, nem assinou
nada”.
Em boa hora, em momento crucial, Joaquim Barbosa trouxe a teoria do domínio do fato.
Aplica-se aqui de novo: Lula podia não usar o celular, mas sabia quem usava e para quê.
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