por Ruy Castro Folha de São Paulo
Uma formula clássica do humor é a frase invertida. Pegue uma frase-feita
e escreva-a ao contrário. Entre nós, um mestre dessa especialidade foi
Millôr Fernandes. São dele alguns dos melhores exemplares do gênero: "O
rabo escondido com o gato de fora", "À noite, todos os pardos são gatos"
e, para mim, a melhor: "O navio abandonou os ratos".
Millôr escreveu-a em 1963, ao falar de sua saída de "O Cruzeiro", onde
passara 25 anos e do qual fora um dos esteios. Neste caso, a frase se
aplicava: Millôr era um exemplo de honestidade numa empresa que, a
começar pelo patrão Assis Chateaubriand, não se caracterizava pela
ética. Na prática, o navio –Millôr– se salvou, e os ratos rapidamente se
afogaram. Em 1965, já não havia nenhum à tona.
Ao ler o noticiário sobre as ameaças de defecção no PT, é difícil saber
quem está abandonando quem. O discurso é o de que o partido "traiu suas
propostas". Na verdade, a cada petista carimbado que cai na rede da
Operação Lava Jato e com o próprio chefe –Lula– tendo dificuldade para
se explicar, fica difícil aos remanescentes contemplar seu próprio
futuro nas urnas. Como chegar a estas numa canoa fazendo água? Daí os
senadores, deputados, prefeitos e até vereadores que estão se mexendo
para mudar de partido antes que a lei eleitoral os impeça de disputar as
próximas eleições.
O PT se tornou um terreno tão pantanoso e insalubre que, há dias,
escapou a informação (naturalmente, desmentida) de que até a presidente
Dilma Rousseff cogitou trocá-lo por uma coligação suprapartidária. O que
seria apenas uma autodefesa: Dilma não gosta do PT, nem o PT, dela. É
inédito: o governo e o partido pago para apoiá-lo só se toleram porque
não têm alternativa.
Em política, pode-se viver num navio infestado de ratos. Desde que ele não esteja indo a pique.
extraídaderota2014blogspot
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