por Ives Gandra da Silva Martins Folha de São Paulo
Tenho particular admiração pelos 11 ministros da Suprema Corte. Todos
eminentes juristas, com atuação doutrinária marcante no direito
brasileiro, independentemente da atuação como magistrados.
Nem por isto, apesar de velho advogado provinciano e modesto professor universitário, concordo com muitas de suas decisões.
Um dos pontos de divergência diz respeito à decisão sobre o processo de
impeachment da presidente Dilma, que hierarquizou o Senado Federal, como
casa julgadora da Câmara dos Deputados e não apenas da presidente da
República.
Reza o caput do artigo 86 da Constituição que "Admitida a acusação
contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos
Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal
Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos
crimes de responsabilidade".
Por tal dispositivo, admitida a abertura de processo de impeachment pela
Câmara, cabe ao Senado apenas dar curso ao referido processo, em nenhum
momento permitindo a lei maior que o Senado julgue a Câmara, para dizer
se agiu ou não corretamente.
Vale a pena lembrar a origem do Senado. Foi ele criado, nos EUA, para
assegurar a escravidão. Com efeito, de 1776 a 1787, discutiu-se se
deveria ser, a América do Norte, uma confederação de 13 países ou uma
Federação de 13 Estados.
As colônias do Sul, que viviam da agricultura e consideravam o trabalho
escravo relevante, não queriam aceitar nem a Federação, nem uma única
Casa Legislativa, pois, tendo os Estados do Sul menos população, seria
fácil aos Estados do Norte abolirem, como muitos já desejavam, a
escravidão de imediato.
A solução encontrada foi criar uma Casa Legislativa em que, não o povo,
mas as entidades federativas fossem representadas em igualdade de
condições. Com isto, surgiu o Senado e atrasou-se em aproximadamente 80
anos a abolição daquela chaga.
Ora, a autêntica Casa do Povo é a Câmara dos Deputados. Para o Senado o
povo escolhe um ou dois nomes indicados sem opção pelos partidos, não
tendo o pleito o amplo espectro que as eleições para Deputados ofertam
para os eleitores.
Por esta razão, inúmeras federações não têm Senado, como, por exemplo a
Alemanha, em que apenas o "Bundestag" é considerado Parlamento e não o
"Bundesrat".
Subordinar a Casa do Povo à Casa do Poder, tornando-a uma Casa
Legislativa de menor importância, como o fez o STF, é subverter por
inteiro o Estado democrático de Direito, onde a Câmara, que tem 100% da
representação popular, resta sujeita ao Senado, em que os eleitores
escolhem um ou dois nomes pré-estabelecidos e que, indiscutivelmente,
traz a marca de origem de ter sido a instituição que garantiu a
escravidão americana por 80 anos, antes da Guerra de Secessão.
Com todo o respeito que um idoso operador de direito tem pelo talento,
cultura e brilhantismo dos 11 ministros do STF, parece-me que
subverteram o princípio constitucional, tornando-se poder constituinte
originário sem que para isto tivesse o Supremo competência, visto que é
apenas o guardião da Constituição (artigo 102).
A meu ver, cabe ao Senado, uma vez admitido o processo de impeachment,
apenas julgar o presidente e nunca julgar, inicialmente, a Casa do Povo
e, se entender que a Câmara não errou, julgar, em segundo lugar o
presidente.
Nenhuma das instituições legislativas está sujeita ao julgamento de
outra pela lei maior (artigos 44 a 58), razão pela qual entendo, "data
maxima venia", que os eminentes Ministros do Pretório Excelso invadiram
área interditada por ser da competência exclusiva do Congresso.
extraídaderota2014blogspot
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