editorial da Folha de São Paulo
O governo Dilma Rousseff (PT) demonstrou na última semana que compreende
mal a natureza e a dimensão da crise econômica. Uma das piores
recessões da República também não parece suscitar sentimentos de
urgência no governo.
A presidente e seus principais ministros discursaram para representantes
da sociedade, convidados a participar do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social, apelidado Conselhão. Às vésperas da retomada dos
trabalhos parlamentares, a ocasião oferecia a oportunidade de um
discurso de reestreia do governo.
Mas a presidente não apresentou um plano adequado nem mesmo a tempos
normais, ainda menos para os dias que exigem um programa de reconstrução
urgente.
Da exposição resultou apenas mais um plano auto-enganoso, de expansão do
crédito bancário em dezenas de bilhões de reais, como tantos jogados ao
vento em seu primeiro mandato –quando semeou-se a enrascada de hoje.
Sob os cinco primeiros anos de Dilma Rousseff, o crescimento da renda
per capita nacional foi nulo. Em 2015, a economia encolheu não menos que
3,5%. Para este ano, as projeções indicam baixa de 3%.
A taxa de desemprego subiu de 7%, ao final de 2014, para perto de 10% em
dezembro e, estima-se, deve chegar aos 13% nos próximos meses. A renda
do trabalhador começou a cair. O total de empréstimos recuou quase 4% em
2015.
O investimento em expansão da capacidade produtiva recua faz dez
trimestres, desde a metade de 2013. O nível de confiança de empresários e
consumidores está nas mínimas históricas.
Não se está a descrever um mero ciclo de retração, experimentado
periodicamente por qualquer economia de mercado. Trata-se de um momento
em que a capacidade de enxergar o futuro se acha bloqueada pelo
descrédito e pela fragilidade política do Planalto.
Chegou-se a tal situação por uma sucessão obstinada de erros cometidos
pela presidente, materializados agora em um colapso orçamentário de
proporções inéditas.
Incapaz de restringir suas despesas aos limites de uma arrecadação
declinante, o governo não tem como deter o agigantamento da dívida
pública, já perto do patamar de 70% da renda do país e sem sinal de que
parará por aí.
Dessa perspectiva resulta a incerteza que paralisa indústria e comércio,
que alimenta a alta do dólar, da inflação e dos juros. Sem interromper
esse processo, Dilma Rousseff não conseguirá fazer política econômica ou
de espécie alguma.
É imperativo, portanto, que o governo conceda a derrota de sua
estratégia original, abandone a insistência farsesca nos pacotes de
crédito e dê consequências sérias ao discurso até agora propagandístico
que transpareceu no Conselhão.
A esperança está em que a presidente articule um programa coerente com o
qual possa convocar o apoio do Congresso e de setores e quadros
relevantes da sociedade.
Há o que oferecer de imediato para reanimar os espíritos –colocar em
prática o plano de concessões de obras e serviços públicos para a
iniciativa privada.
Não haverá o fundamental engajamento do empresariado enquanto tais
projetos estiverem impregnados dos cacoetes estatistas e outras
teimosias da presidente.
Mas, acima de tudo, não haverá ambiente para empreendimentos de nenhuma
espécie caso não se dê conta do mínimo essencial das reformas do gasto
público.
A primeira tarefa é conter, ainda que em caráter emergencial, a expansão
das despesas obrigatórias –com pessoal, aposentadorias, benefícios
trabalhistas e assistenciais, entre outros– que consomem quase 90% da
receita disponível da União.
Para tanto, há que se enfrentar com coragem uma compulsão dos
formuladores de políticas públicas no país: a destinação de parcelas
fixas da arrecadação a determinados programas e setores, como saúde,
educação e uma miríade de exemplos menos importantes.
Tal prática, associada ao costume arraigado de promover a correção
automática de salários e benefícios pela inflação passada, impede que o
Executivo ajuste suas prioridades e adapte o Orçamento a situações
adversas.
Um paliativo tem sido, desde os anos 1990, renovar um dispositivo
transitório da Constituição que permite o uso livre de uma fatia das
receitas. Esse mecanismo poderia ser ampliado, associado a um teto para o
gasto total do governo e até estendido a Estados e prefeituras.
É preciso também encaminhar uma proposta palpável de reforma da
Previdência, até aqui só ensaiada em falas genéricas –com idade mínima
para a aposentadoria e revisão da generosidade excessiva das regras das
pensões por morte.
Ao proporcionar um horizonte de estabilidade das despesas, tal programa
tornaria aceitável algum aumento de tributos de modo a acelerar o acerto
das contas públicas. Pouco mais adiante, há a reforma das relações
trabalhistas e a desburocratização do ambiente de negócios.
Propõe-se, enfim, uma agenda que promova uma reviravolta das
expectativas econômicas e prepare o crescimento econômico em bases mais
duradouras –um projeto que demandará um trabalho de enfrentamento de
resistências ideológicas e corporativas.
Ou bem se apoie a mudança ambiciosa ou se assuma a responsabilidade do
fracasso que vai derivar da passividade ou da oposição meramente
destrutiva. Isto é, mais uma década perdida para o Brasil.
extraídaderota2014blogspot
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