por Demétrio Magnoli Folha de São Paulo
Triplo X, o nome da nova fase da Lava Jato, é referência ao tríplex em Guarujá que seria de Lula e
está em nome da OAS, uma das empreiteiras envolvidas no petrolão. Mas,
formalmente, tem razão o ministro José Eduardo Cardozo quando afirma que
"o ex-presidente Lula não está sendo investigado". A contradição
flagrante entre o fato notório e a ficção legal deve-se ao Ministério
Público Federal, que não solicitou abertura de investigação contra essa
"pessoa incomum".
Na plêiade de investigados da Lava Jato, o lugar inexplicavelmente vago
indica que há algo de errado na nossa democracia. São múltiplos,
consistentes, os motivos para uma criteriosa apuração das relações entre
o ex-presidente e o escândalo que resultou da apropriação da Petrobras
por uma máfia político-empresarial.
Lula aparece, destacadamente, nas delações homologadas de Nestor Cerveró
e Fernando Baiano. Na condição declarada de palestrante, remunerado em
somas exorbitantes, ele defendeu interesses de empreiteiras envolvidas
no escândalo da Petrobras. O imóvel em Guarujá, um entre outros que
despertam suspeitas num estranho negócio entre a OAS e a Bancoop,
cooperativa dirigida por petistas, aparentemente não se enquadra nos
padrões de uma típica transação privada. Se esse conjunto de indícios
não merecer investigação, o melhor é admitir que, no Brasil, existe uma
classe de cidadãos intocáveis.
À medida em que a Lava Jato aproxima-se da mais incomum entre as
"pessoas incomuns", avolumam-se as pressões contra a operação. Das
catacumbas da internet, a acusação de que Sergio Moro instaurou um
"estado de exceção" saltou para um manifesto de notáveis advogados e,
então, ganhou ampla difusão pelas vozes uníssonas dos petistas Rui
Falcão e Gilberto Carvalho e de jornalistas adaptados ao papel de
"companheiros de viagem". Agora, face à Triplo X, o Planalto atravessou a
fronteira da institucionalidade, entrando no jogo da intimidação.
No núcleo do governo, desde que Lula proclamou-se o mais honesto dos
brasileiros, está em curso uma ação coordenada. O ministro Jaques Wagner
renunciou a seu comedimento habitual para dizer que Lula é um "objeto
de desejo" da investigação, enquanto Dilma abdicava de uma prudente
discrição, sugerindo que a Polícia Federal dissemina "insinuações"
contra seu padrinho político. Chegamos num ponto crítico: em nome de
Lula, o Executivo ensaia terçar lanças com o Judiciário.
A insurreição discursiva contra a Lava Jato só emociona militantes
políticos e incautos incorrigíveis. Cada um dos atos da operação está
sujeito ao controle das instâncias superiores do Judiciário, acionadas
sistematicamente por célebres advogados. A hipótese de perseguição
politicamente motivada solicita a crença primitiva numa conspiração
geral de juízes. Mas Lula e os seus, dentro ou fora do governo, têm
razão num único ponto, muito relevante: a crítica a uma investigação que
não diz seu nome.
Rodrigo Janot, o procurador-geral da República, produziu uma extensa
lista de investigados que contém personagens como os presidentes da
Câmara e do Senado. Contudo, trata Lula com a reverência que só se
reserva aos monarcas, semeando especulações variadas. Segundo uma teoria
maligna, Janot preserva o ex-presidente, alçando-o acima da lei.
Segundo a mais benigna, apela a uma tática de desgaste gradual, a fim de
minar as muralhas políticas erguidas ao redor do ex-presidente. Seja
como for, abusa de suas prerrogativas ao condicionar decisões de
natureza processual a considerações de cunho político.
De fato, Lula é investigado. A nação tem o direito de ser oficialmente
informada disso. Lula é inocente até prova cabal em contrário. Ele tem o
direito de saber, precisamente, quais suspeitas movem a investigação.
Janot estará prevaricando se perseverar na separação entre o fato
notório e a ficção legal.
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