por Hélio Schwartsman Folha de São Paulo
Garoto pobre do Nordeste chega a São Paulo num pau de arara. Com a
família premida pelas dificuldades econômicas, estuda pouco, mas
torna-se operário no ABC paulista e acaba virando líder de um partido de
esquerda. É perseguido pela ditadura e demonizado pelas elites.
Empresários ameaçam deixar o país caso ganhe a Presidência. Perde
sucessivos pleitos, até que finalmente triunfa. Sob sua gestão, o país
cresce como não se via havia décadas e a desigualdade cai
significativamente. O povo, reconhecido, não só o reelege como conduz ao
posto máximo da nação aquela que ele ungira como herdeira.
A mente humana não resiste a uma boa narrativa. Essa história, nos
termos em que a contei, apresenta alguns exageros e muitas omissões, mas
nenhuma inverdade. É um conto de fadas democrático, o que ajuda a
explicar o enorme prestígio de que Luiz Inácio Lula da Silva goza no
exterior e também no Brasil, ainda que em doses minguantes.
E, quando a história é boa, nossos cérebros se esforçam para fazer com
que seus personagens se encaixem nos papéis principais, mesmo que para
isso tenhamos de sacrificar a precisão e, nos casos extremos, os fatos. É
assim que se criam as lendas.
Resta saber se a narrativa lulista resistirá ao cerco de investigações
que vai se fechando sobre o ex-presidente. É difícil fazer prognósticos.
Líderes carismáticos como Lula são resilientes. Vale lembrar que o
petista sobreviveu ao mensalão.
A diferença é que agora não haverá "boom" econômico a socorrê-lo e as
suspeitas que pesam contra si não dizem mais respeito a esquemas de
governo ou de partido, mas à reforma de imóveis para uso pessoal. O
risco para Lula é que a pecha de alguém que não soube resistir a
benesses e luxos nababescos se incorpore à sua narrativa, convertendo
uma história de enfrentamento de agruras e consagração numa de perdição
diante das tentações do poder.
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