por Elio Gaspari Folha de São Paulo
No domingo de Carnaval, os repórteres Vera Rosa e Ricardo Galhardo
revelaram que, durante uma reunião com Lula, dirigentes do PT sugeriram a
criação de uma rede de apoio a Nosso Guia com o slogan "Somos Todos
Lula". Seria algo como o famoso "Je suis Charlie", criado depois do
ataque terrorista à redação do Charlie Hebdo. Seria, mas jamais será.
Puxando-se pela memória, a ideia ecoa uma proposta feita em 1978 pela
imperatriz Farah Diba, do Irã. Seu país estava conflagrado, com milhões
de pessoas na ruas pedindo o fim da monarquia mequetrefe de seu marido, o
xá Reza Pahlevi. Farah vivera em Paris e lembrou que, em 1968, quando
os estudantes franceses pediam a renúncia do presidente Charles De
Gaulle, o velho general convocou seus partidários para uma marcha pela
avenida Champs Élysées. Um ministro interrompeu-a:
— Talvez consigamos fazer uma marcha como a de De Gaulle, mas só em Paris.
Era lá que estavam os iranianos endinheirados que haviam fugido do país e
também lá passava a maior parte do tempo a princesa Ashraf, irmã gêmea
de Reza. Semanas depois de propor a marcha, Farah e o marido saíram às
pressas de Teerã. Ela não teve tempo para limpar direito sua
escrivaninha.
"Somos todos Lula", quem, cara pálida? Nosso Guia queixa-se de que
ninguém o defende. Nem ele, pois até agora não deu uma só explicação
para seus confortos.
Some-se a isso que jamais defendeu o comissário José Dirceu. Talvez não achasse argumentos para fazê-lo.
A vida deu a Lula um sentimento de onipotência que em certos momentos
soa irracional, mas é sempre compreensível. Ele e sua mulher, Marisa,
saíram daquele Brasil que tem tudo para dar errado. O retirante
pernambucano cresceu na pobreza de uma família desestruturada. Sua
primeira mulher, grávida, morreu num hospital público. Marisa, seu
segundo matrimônio, fora casada com um taxista assassinado, cujo carro
passou a ser dirigido pelo pai, também assassinado.
Como dirigente sindical, Lula comandou duas greves históricas que
projetaram-no nacionalmente. Ambas resultaram em perdas financeiras para
os grevistas, mas isso tornou-se uma irrelevância. Candidatou-se ao
governo de São Paulo em 1982 e ficou em terceiro lugar, com 1,1 milhão
de votos contra 5,2 milhões de Franco Montoro. Disputou quatro vezes a
Presidência da República e perdeu duas eleições no primeiro turno para
Fernando Henrique Cardoso.
Metamorfose ambulante, superou todas as adversidades. Elegeu-se,
reelegeu-se, colocou um poste na sua cadeira e ajudou a permanência de
Dilma Rousseff no Planalto, dando ao PT um predomínio inédito na
história do país. Conta a lenda que um áulico atribuiu-lhe a cura de um
câncer de um colaborador.
Lula acredita na própria invulnerabilidade. Para quem se reelegeu depois
do escândalo do mensalão, tem boas razões para isso. A ideia de
multidões vestindo camisetas com a inscrição "Somos todos Lula" reflete o
modo de fazer política de um comissariado intelectual e politicamente
exausto. Noves fora a piada de que esse poderia ser o uniforme da
bancada de Curitiba, marquetagens desse tipo exauriram-se.
É impossível especular como ele sairá das encrencas em que se meteu, mas
uma coisa é certa: seus maiores aliados, como sempre, são os seus
adversários.
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