por Reinaldo Azevedo Folha de São Paulo
A Bolsa Microcefalia é a cara da nossa miséria moral. É a cara da nossa
solidão ética. É a cara do nosso desatino civilizacional. Não que eu
seja contra. Como ser?
O governo diz que vai pagar um salário mínimo por mês a bebês acometidos
pela doença que pertençam a famílias com renda per capita de até R$
220.
Parece exagero o que vou escrever, impróprio para o meio, mas a notícia
me deu enjoo físico mesmo, não metafórico. É preciso saber a hora de dar
um murro na mesa da isenção técnica. Sem um pouco de indignação,
leitor, é bom que você nem se levante da cama. Fique lá enterrado nos
humores do sono.
Imaginem as dificuldades que um bebê com microcefalia traz para qualquer
família. Aí multipliquem isso pela pobreza –e os filhos da pobreza já
não nascem embalados pela melhor sorte. Se saudáveis, no entanto, podem
ser socorridos pelo incerto, que ainda é a mais certa de todas as
coisas. Com um mal que lhes cause severas limitações intelectuais,
tem-se um destino.
O mosquito Aedes aegypti, que transmite a dengue, a chikungunya e o
vírus zika, voltou a ser um problema de saúde pública no Brasil no fim
dos anos 1990 e início dos anos 2000. De lá pra cá, o que se vê é o
agravamento contínuo do quadro.
O PT está no seu 14º ano de governo. Só no fim de 2015, dada a explosão
de casos de microcefalia –provocada, é praticamente certo, pelo zika–, o
governo federal se deu conta de que o mosquito voa e de que o combate
não poderia ficar apenas sob a responsabilidade dos municípios. A
intervenção federal se fazia necessária.
O zika é o mais triste e terrível símbolo dessa gente asquerosa que usou
as urnas para assaltar o poder; que violou não apenas uma penca de
dispositivos do Código Penal, mas também os fundamentos mais comezinhos
do Estado de Direito. E o que é pior: ela o fez em nome de uma utopia,
de uma redenção, de um valor alternativo.
Os petistas merecem, sim, o repúdio mais veemente por terem conspurcado a
legalidade. Mas têm de ser verdadeiramente execrados por destruir as
esperanças honestas de milhões de pessoas num "outro mundo possível"
–ainda que eu, pessoalmente, jamais tenha lidado com essa perspectiva
porque, em política, só me interessam as coisas deste mundo.
No fim das contas, a que se resumiu o lado virtuoso do "modelo petista"
de gestão? À parte as circunstâncias que não eram de sua escolha –como a
elevação do preço das commodities, que propiciou um simulacro de
redistribuição de renda–, os companheiros decidiram usar o Estado para
aplicar medidas compensatórias, que, para que sejam honestas, não podem
estar atreladas a uma perspectiva político-eleitoral. O PT privatizou a
pobreza para que o povo, lembrando a carta demagógica de Getúlio, não
fosse escravo de mais ninguém, só do partido.
No seu 14º ano de poder, não houve vício do atraso, do patrimonialismo,
do mandonismo, do compadrio e, sim, da safadeza a que o partido não
tenha emprestado uma dimensão superior, profissional, verdadeiramente
técnica. O lulo-petismo buscou calar os pobres com caraminguás também de
cidadania, enquanto os esquerdistas pançudos se refestelavam no poder.
Os porcos de George Orwell gritam à margem do meu texto, e tenho de
lembrá-los.
Agora o partido atinge o seu estado de arte. Os bebês com microcefalia,
tornados bolsistas permanentes, são um testemunho de um modo de fazer
política.
Eles são a evidência de que o petismo é também uma abominação moral.
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