por Felippe Hermes
O Brasil é uma nação pacífica.
Talvez
você se lembre das aulas de história do Brasil, em que nossa longa
tradição diplomática e a ausência de conflitos por longos períodos era
sempre exaltada como uma virtude brasileira, não é? Mas se você já está
crescido, deve ter sacado que de pacíficos nós não temos nada. Sejamos
honestos: não precisamos de nenhuma outra nação para criar conflitos que
terminam em milhares de vidas perdidas. Fazemos, e muito bem, tudo isso
sozinhos.
Por
aqui, a violência tornou-se uma verdadeira epidemia. Batemos recorde
atrás de recorde quando o assunto é número de homicídios. No último dado
disponível, de 2014, foram 59.627 vítimas fatais, número suficiente
para nos colocar como o país que mais mata no mundo!
Em
uma semana, mais pessoas serão assassinadas em território brasileiro do
que no Japão e no Reino unido em um ano inteiro. Também no período de
um ano, menos assassinatos são cometidos em Portugal do que em 12 horas
por aqui.
O
custo de tudo isso vai além do mais evidente – os milhares de jovens
que perdemos todos os anos para o crime e que são boa parte do total de
vítimas. Nosso problema em lidar com a segurança do país é também
responsável por nos deixar mais pobres e vulneráveis. Por ano, a
violência custa ao Brasil um valor superior à renda dos 30% mais pobres
da população.
Gastamos com segurança o mesmo que gastamos com educação, 5,4% do PIB. O resultado é que, ao renegar a prevenção e apostar no mero controle de danos, terminamos sem um nem outro.
Para
piorar, nosso gasto ainda é feito de maneira errada. Por não termos
resolvido antes nossos problemas de gestão ou de estrutura dos estados,
atualmente, em alguns casos, mais da metade do gasto em segurança
pública é destinado a pagar aposentadorias e pensões. Tendo de pagar
duas pessoas pelo serviço de uma, acabamos com policiais extremamente
mal remunerados.
Além
de todos os problemas evidentes, encaramos ainda alguns mais discretos,
mas tão assustadores quanto. Nossa média de assaltos é duas vezes a
média mundial. Por aqui, 8% das pessoas dizem ter sido assaltadas nos
últimos 12 meses. Destas, sequer metade registrou o ocorrido, ajudando a
criar graves problemas nas nossas estatísticas.
Se
os dados disponíveis são confusos, a disposição dos governos em
resolver o problema é ainda pior. A criação de um registro nacional de
pessoas procuradas pela polícia, por exemplo, foi aprovada pela Comissão
de Constituição e Justiça apenas em janeiro de 2017.
Seja
pelas soluções ruins apresentadas ou pelo tanto que desconhecemos, os
números são alarmantes e o resultado você pode ver mais diretamente
nestes 12 itens que selecionamos abaixo:
1. Por ano mais pessoas são assassinadas no Brasil do que na China, Estados Unidos e Europa… somados.
Poucos
aspectos da sociedade brasileira podem ser considerados tão deslocados
da realidade mundial como nossa propensão à violência. Nossa taxa de
homicídios hoje – em torno de 24,6 mortes para cada 100 mil habitantes –
é similar à da Inglaterra no século XV, onde sequer havia polícia
constituída.
Nossas pouco mais de 59 mil vítimas de assassinato por ano superam em
larga vantagem os 12.253 americanos, 11.286 chineses e 22 mil europeus
assassinados todos os anos. Na diferença, seria possível incluir ainda
Indonésia (1.277), Bangladesh (4.514), a Oceania (1.100) e outras
dezenas de países.
Na
prática, estes países são responsáveis por aproximadamente metade da
população mundial, o que significa dizer que, com 3% da população
mundial, o Brasil mata o mesmo que países que compõem 50% desta
população.
2. Nossa taxa de homicídios é oito vezes maior que a da Índia, um país tão pobre e desigual quanto o nosso.
Segundo a ONU, o Brasil concentra 10% dos homicídios do mundo.
O número é de fato assustador, mas devemos ressaltar que, como estamos
falando do Brasil, as estatísticas podem ser consideradas imprecisas.
Tome-se o
exemplo de alguns estados campeões em redução de taxa de homicídio.
Nestes, as ocorrências de chacinas ou de assassinatos costumam ser
reclassificados como “lesão corporal seguida de morte”, por exemplo. Com a mudança de nomenclatura, o problema torna-se menor.
Ainda
assim, mesmo com todos os casos conhecidos de subnotificação, nossa taxa
de homicídios permanece em 24,6 por 100 mil habitantes, nada menos do
que oito vezes maior que a taxa indiana, ou 30 vezes maior que a taxa na China.
Como
mostra a ONU, a desigualdade no Brasil é sim alarmante. Estamos entre os
12 países mais desiguais do mundo. Na maior parte destes países, porém,
a realidade é distinta da brasileira quando o assunto é violência.
Temos mais mortes por aqui do que por lá.
3. Mais pessoas morrem assassinadas no Brasil do que na guerra da Síria.
O conflito sírio é atualmente o mais mortífero em andamento no mundo e se desenrola há pouco menos de seis anos.
Neste período, porém, conseguimos bater os sírios quando
o assunto é mortalidade. Mesmo com todas as bombas caindo no país e a
ameaça do Estado Islâmico, morreram entre março de 2011 e dezembro de
2015 256.124 pessoas na Síria, contra 278.839 no Brasil.
Por
aqui, a cada nove minutos uma pessoa foi morta. O número, no entanto,
revela um alívio para os brasileiros: em 2015, pela primeira vez em
anos, a violência diminuiu, ainda que timidamente, caindo 1,2% em
comparação a 2014.
4. Mais de 90% dos homicídios no Brasil não são solucionados.
Se você é
destes que está acostumado a acompanhar seriados americanos com
técnicas forenses incríveis, capazes de reconstruir com perfeição a cena
do crime e identificar a pessoa responsável, talvez tenha uma grande
decepção quando se deparar com a realidade.
É
verdade que sequer nos EUA este seja um cenário comum, o que provoca
problemas graves em um país acostumado a julgamentos por júri popular
(por lá, advogados de acusação enfrentam problemas, já que a população
acostumou-se a acreditar em provas cabais e super-cientistas desvendando
o crime). Por aqui, o agravante é ainda maior.
Entre 5 e 8% dos homicídios brasileiros são de fato investigados.
Como relatou recentemente em uma reportagem o Jornal da Globo,
casos em que cidadãos ou mesmo repórteres criminais entram e violam
cenas do crime antes da atuação da polícia forense são comuns. O
respeito à investigação inexiste e o material de trabalho dos policiais
da área ainda enfrenta as velhas dificuldades licitatórias do Brasil.
Comprar fita de isolamento, por exemplo, pode ser mais fácil se sair do
bolso dos próprios policiais do que se precisar encarar meses de
licitação.
5. Metade dos presos brasileiros ainda aguarda julgamento.
A crise
no sistema carcerário brasileiro teve um estopim nos últimos meses, com
rebeliões entre facções distintas que culminaram na morte de mais de uma
centena de presos em ao menos três estados brasileiros.
De
acordo com o Ministério da Justiça, faltam 231 mil vagas no sistema
prisional do país. Para o mesmo relatório realizado pelo ministério, boa
parte da explicação está na manutenção de presos que sequer foram
julgados.
Casos de
presos que estão há 90 dias ou mais na prisão e não tiveram o
julgamento realizado são comuns e em mais de um terço dos presídios
brasileiros este número chega a ser maioria.
No caso do Ceará, por exemplo, 99% dos presos estão há mais de três meses à espera de um encerramento para os seus processos.
O
resultado de tanta superlotação é que, na maioria dos estados, a taxa de
homicídios dentro de presídios chega a ser dez vezes maior do que nas
ruas. Cadeias inseguras e onde o Estado não tem condições de assumir o
controle, tornam-se por sua vez um território livre para as chamadas
escolas do crime.
6. Por ano, o Congresso Nacional custa mais do que o gasto com segurança dos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo.
Segundo
o Banco Interamericano de Desenvolvimento, nosso gasto em segurança
pode ser considerado alto, chegando a quase R$ 284 bilhões anuais. Deste
valor, cerca de metade é realizado por empresas privadas, que garantem a
segurança dos que podem pagar. Ao restante da população, resta contar
com o Estado.
Na
hora de definir prioridades e estruturar o orçamento, os políticos
brasileiros não deixam de ser generosos – consigo mesmos. Os 28 mil
funcionários do congresso nacional custarão, em 2017, nada menos do que R$ 10 bilhões.
O
valor pode parecer pequeno diante do nosso gasto com segurança, mas,
ainda assim, é maior do que todo o gasto em segurança realizado pelo Rio
Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais. Em comum, todos os três
estados enfrentam crises na segurança pública.
7. Em nenhum país do mundo tantos policiais matam e morrem como no Brasil.
Poucos
sinais deixam tão clara a situação de guerra civil enfrentada no Brasil
quanto os números de mortes de policiais e de pessoas mortas em ações da
polícia.
Apenas
em 2013, a polícia brasileira foi responsável por matar 1.259 pessoas,
um número similar ao total geral de homicídios ocorridos na Alemanha e
na França, somados (considerando que juntos os dois países têm uma
população apenas 30% menor que a brasileira). Do outro lado, foram 316
policiais mortos em serviço.
Segundo dados levantados pela BBC Brasil,
a cada quatro homicídios ocorridos em São Paulo, um é provocado por
policiais militares, sendo 87% deles cometidos por agentes em operação.
Na outra ponta, dos assassinatos de policiais, mais da metade, ou 57%, ocorrem durante períodos de folga dos agentes.
8. Gastamos mais com policiais aposentados do que com policiais na ativa. O resultado: salários menores para todos.
Que
os salários dos nossos policiais e professores são baixos, não resta
dúvida. Na câmara municipal de São Paulo, por exemplo, um engraxate
recebe salário bruto de R$ 10,4 mil, contra R$ 3,9 mil de um policial
que trabalha na mesma câmara, ou R$ 2,9 mil de um policial em início de
carreira no Estado de São Paulo.
Nosso
maior problema, entretanto, segue sendo uma questão estrutural do
próprio governo: até pouco tempo atrás, em muitos estados, policiais
sequer pagavam contribuição previdenciária, como é o caso do Rio Grande
do Sul.
O
resultado é que hoje, nestes mesmos estados, é preciso dividir os
recursos existentes para a área entre aqueles que estão na ativa e os
aposentados.
No mesmo Rio Grande do Sul, conhecido por seu problema previdenciário, os 19.257 PMs em atividade custam ao estado R$ 127,1 milhões por mês. Com os 24.123 aposentados, o custo é de R$ 209,2 milhões, mais R$ 70,2 milhões com 9.908 pensionistas.
No
Espírito Santo – que enfrenta uma greve branca da Polícia Militar nos
últimos dias, ocasionada por parentes que bloqueiam a entrada dos
quartéis -, o gasto com inativos é equivalente a 40% do total.
Iniciativas
como a criação de um fundo previdenciário que acumule recursos tentam
reverter a situação. O resultado, porém, só começará a ser sentido em
algumas décadas e pode não ser suficiente, uma vez que na Brigada
Militar (a Polícia Militar do RS), por exemplo, a média de idade ao
aposentar-se é de 48 anos.
9. No Rio Grande do Sul, os deputados gastam dez vezes mais com combustível do que a polícia.
Definir
prioridades em um estado em crise é, teoricamente, uma tarefa árdua para
parlamentares. Com um déficit que pode chegar a R$ 25 bilhões apenas
nos quatro anos do atual governo do Rio Grande do Sul, os deputados
estaduais foram chamados a ajudar a cortar gastos e garantir que os
salários do funcionalismo sejam pagos, ainda que parcelados.
Nada disso impediu a chamada farra do combustível,
promovida pelos mesmos. Em 2014, cada um dos 129 veículos dos
parlamentares gaúchos gastou em média R$ 35 mil em combustível, contra
R$ 3,5 mil de cada viatura policial.
Para o
ex-presidente da assembléia gaúcha, Edson Brum, a diferença pode ser
explicada por conta do uso urbano dado às viaturas da polícia, que
teriam reduzido significativamente o consumo.
10. No Paraná, de cada 100 boletins de ocorrência, só 7% são de fato investigados. Em SP, não chega a 10%.
Nossa
subnotificação de crimes é notória. Segundo a polícia, é uma das razões
pelas quais o policiamento torna-se menos eficiente, uma vez que sem
saber onde ocorrem os crimes, fica difícil combatê-los com inteligência
e, nesta área, gastar com inteligência significa necessariamente salvar
vidas.
Como
mostrou um levantamento realizado pelo CNJ em 2013, estados que
aumentaram gastos totais em segurança tiveram aumentos no número de
homicídios, enquanto estados que elevaram gastos em inteligência,
apresentaram uma queda.
EXTRAÍDADESPOTINIKS
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