por Gabriel Nemer com a colaboração de Felippe Hermes.
Você
acorda cedo, passa na padaria para comprar pão, frios e leite para o
café da manhã, dá banho nos seus filhos, coloca-os no transporte escolar
e se arruma para ir ao trabalho. Para evitar o stress do trânsito,
decide pedir um desses serviços moderninhos de transporte através de um
aplicativo. Chega cedo no trabalho e enfim começa seu dia. Talvez você
não tenha notado, mas nem bem duas horas se passaram e você já
terceirizou ao menos cinco serviços essenciais do seu dia a dia para
completos estranhos.
Do pão ao
transporte, seu dia acaba se tornando mais fácil quando deixa para
outras pessoas certas tarefas que você provavelmente não seria tão hábil
em realizar. Nada disso é novidade. De fato, a tal divisão do trabalho é
um conceito mais antigo que a própria existência do Brasil enquanto
país independente.
No
entanto, quando o assunto parte para empresas tomando a mesma atitude, a
coisa parece mudar de figura, ao menos por aqui. Imagine, por exemplo,
que julgamos o dono de um veículo que contrate uma empresa (como Uber ou
Cabify) para intermediar suas caronas pagas com base em leis criadas em
um período no qual mais da metade da população brasileira ainda vivia
no campo, em um país onde eletricidade era um luxo restrito a menos de
uma em cada três residências.
Para boa
parte do mundo, o tema é pauta batida. Coisa da década de 90, quando a
globalização pegou pra valer. Governos (inclusive em alguns dos países
mais sindicalizados do planeta, Suécia e Noruega) se adaptaram e
aprovaram leis para abranger a nova realidade. Nesse meio tempo, a Apple
tornou-se a maior empresa do mundo, sem ter que produzir seus próprios
iPhones. Produtos mais baratos em países ricos e empregos em países mais
pobres.
No Brasil,
a discussão emperrou. Passamos os últimos 24 anos definindo o que era
ou não a atividade de uma empresa e, portanto, o que poderia ser
terceirizado. Na falta de legislação clara, nossa Justiça do Trabalho
precisou ser acionada para definir, por exemplo, se plantar laranjas era
a atividade principal de uma empresa que produzisse sucos, ou se esta
atividade poderia ser terceirizada sem riscos. Toda esta discussão pode
enfim deixar de existir, agora que o Congresso desengavetou um projeto
de 1998 para regular a situação.
Como era
de se esperar, o tema gerou confusão. Entre vídeos de atores globais e
manchetes sensacionalistas, não foi difícil se perder nessa história.
Mas, no meio de tudo isso, o que há de mito e o que há de verdade?
Separamos algumas perguntas que podem ajudar e se localizar neste
verdadeiro tiroteio.
1. A terceirização irá reduzir salários?
Parte
central da crítica realizada por sindicatos e centrais sindicais, a
ideia de que a terceirização termina por reduzir os salários tem sido
difundida sem muito rigor. O número mágico, de 24% a menos para o
trabalhador no fim do mês, tem estampado de memes a manchetes de jornais
e revistas. Mas, afinal, o que há por trás deste estudo?
O estudo
compara funcionários incomparáveis. Como bem sabe o leitor, as
atividades que hoje podem ser terceirizadas são as chamadas
“atividades-meio”: aquelas que não pertencem ao core da empresa. Caso da segurança, alimentação, limpeza, entre outras.
O estudo da CUT compara os salários médios dessas atividades com o salário médio dos trabalhadores efetivamente contratados, mas que não exercem a mesma função.
Para ficar
mais fácil: em vez de comparar funcionários de limpeza terceirizados vs
contratados, o estudo compara funcionários de limpeza com médicos,
professores, diretores, etc.
Em outro estudo, produzido pela Fundação Getúlio Vargas,
comparando cargos idênticos ou similares, a diferença foi sensivelmente
menor, de cerca de 3% em média, e variando entre 12%, no caso de
trabalhadores com baixa qualificação, até valores 5% maiores em casos
como trabalhadores da área de segurança.
Na prática, quanto maior sua qualificação, maiores os ganhos alcançados pela terceirização no aumento da sua renda.
Ainda assim, se os ganhos e perdas parecem variar tão pouco, qual é exatamente a utilidade da terceirização para o país?
2. Afinal, qual o ganho da terceirização?
Esclarecer
como surgem os salários não é uma tarefa das mais fáceis e, via de
regra, explicações como “produtividade” podem parecer vagas diante de
outra mais óbvia como a “vontade política” de algum gestor benevolente
que sobe seu salário com base na canetada, não é mesmo?
Mas, de
fato, a maior parte do seu salário estará intimamente ligada à sua
capacidade de produzir riqueza, e quanto mais riqueza for produzida por
uma mesma pessoa, melhores serão os salários. Fazer mais com menos.
Sabem como é, nada muito diferente daquilo que qualquer dona de casa já
está acostumada nestes tempos de crise.
Em um
país, não é muito diferente. Na medida em que as empresas passam a se
focar em partes específicas do trabalho, tornam-se mais especializadas e
produtivas, elevando assim os ganhos em toda sua cadeia de produção.
Ao
contratar uma lavanderia para limpar seus lençóis, um hospital reduz a
quantidade de procedimentos com os quais tem que lidar e acaba por
prestar melhor o serviço que importa, o de atender seus pacientes. Menos
recursos indo para a burocracia resultam em maior produtividade.
A
otimização dos procedimentos por parte das empresas, por sua vez,
resulta em preços menores. Ainda assim, como você já deve ter sacado,
nem só de consumir vivem as famílias, é preciso trabalhar. E se essa
moda de terceirização atingir você?
3. As empresas irão terceirizar tudo?
Esse medo é calcado numa crença simplista de que é desejável – ou mesmo, possível – terceirizar tudo.
Professores,
por exemplo, dificilmente serão terceirizados. Isso porque as escolas e
os estudantes valorizam a relação aluno-professor. O professor se
acostuma à “cultura de ensino” da escola, sua forma de aplicar provas,
monitorias e afins. Não seria eficiente, nem viável, ter uma grande
rotatividade no quadro de mestres.
É possível
ir além: pense o leitor na limpeza de sua casa. Suponha que você tenha
apenas duas opções: 1) contratar uma empregada doméstica; ou 2)
contratar uma diarista.
A decisão a
ser tomada não é trivial. Há benefícios de se ter uma empregada
doméstica: entregar sua casa a alguém de confiança, bem como garantir
limpeza e organização todos os dias.
Mas também há vantagens de se ter uma diarista: gasta-se menos e ela só vem quando seus serviços são realmente necessários.
Nas duas
opções existem custos a serem considerados: no caso da empregada
doméstica, gasta-se mensalmente um valor fixo, ainda que ela não seja
requisitada em determinados dias. Afinal, nem sempre a casa está
bagunçada.
No caso da
diarista, o problema é o oposto: muitas vezes a casa precisa de
arrumação, mas não é o dia em que ela vem. Uma diarista em geral também
não é responsável pelo preparo das refeições da casa, como são muitas
empregadas domésticas.
Da mesma
forma, uma empresa terceirizará determinadas partes de sua produção se
assim o achar conveniente: se os benefícios superarem os custos e houver
ganhos de produtividade e competitividade.
Dizer que
as empresas “vão terceirizar tudo” é o mesmo que dizer que todas as
pessoas escolheriam a diarista, ou pior, que a cada vez que fossem
contratar uma diarista, fariam isto contratando uma diarista
completamente nova – o que, obviamente, não é verdade.
Alta rotatividade é, na maior parte das vezes, um inimigo para a produtividade e, consequentemente, para os ganhos das empresas.
4. E o que as empresas ganham com isso?
Imagine, como exemplo, uma fábrica e um escritório, ambos contratantes de funcionários de limpeza terceirizados.
A fábrica está passando por tempos difíceis e não precisa mais de tanto pessoal assim.
O
escritório, por sua vez, está em franca expansão e necessita de mais
funcionários para arrumação. Como são terceirizados, a fábrica pode
facilmente dispensar aquele pessoal que hoje trabalha por lá e eles
poderão ser rapidamente realocados para onde serão mais necessários (no
caso, o escritório).
Sem a
terceirização, a fábrica teria que demitir os funcionários e arcar com
todos os custos dessa demissão. Eles – os trabalhadores – passariam a
receber todos os benefícios aos quais têm direito, e dificilmente
aceitariam um novo emprego rapidamente, a menos que recebessem um
salário artificialmente mais alto (incompatível com a produtividade). O
resultado é aumento de custos, perda de eficiência e de produtividade.
Tome como
exemplo outro caso: uma pequena construtora de prédios e apartamentos.
Ela “terceiriza” a venda dos apartamentos, deixando-a por conta das
imobiliárias; terceiriza o projeto para escritórios de arquitetura; e
pode muito bem terceirizar o financiamento destes mesmos imóveis a um
banco.
É
eficiente que esta empresa contrate azulejistas, eletricistas,
marceneiros e afins, mesmo sabendo que irá erguer por exemplo, um prédio
a cada dois anos? Naturalmente, não. Nem sempre está na hora de colocar
as instalações elétricas, instalar portas, janelas, etc. Esses
funcionários, caso contratados pela empresa, passariam grandes períodos –
tanto ao longo do dia quanto ao longo do projeto – sem trabalhar, mas
gerando um custo à empresa.
O
resultado é um preço final maior para o consumidor, bem como um salário
menor para os funcionários citados – já que, obviamente, os períodos sem
trabalhar são incorporados na forma de uma remuneração menor.
A construtora, portanto, se beneficiaria da terceirização, reduzindo custos e aumentando a produtividade.
E, de
quebra, o país ganharia com maior concorrência. Afinal, construir um
prédio teria um custo muito menor. Mais empresas entrariam neste
mercado, e os azulejistas e eletricistas, hoje ociosos em parte do
tempo, passariam a ter emprego durante todo o ano.
5. Quem é protegido pela CLT?
Outro
argumento muito comum contra o projeto de terceirização é aquele que diz
“ah, mas a terceirização vai retirar os direitos”. Direitos de quem?
Como bem
mostram os dados da PNAD, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua, apenas 45% dos trabalhadores do setor privado são protegidos
pela CLT. Os outros 55% estão à margem das leis trabalhistas, dos
“direitos”, da regulação e de todos os benefícios.
Os dados
ainda evidenciam que a renda média dos protegidos pela CLT é bem maior
que a dos “não-protegidos”. Isso é verdade para todas as regiões do
Brasil, excetuando o Sul. E lembre ainda, leitor, que no conjunto dos
“não-protegidos” estão vários que trabalham via PJ (as famosas
“PJotinhas”) e que, portanto, puxam essa média para cima.
Não é
difícil notar, portanto, que a opção para boa parte das pessoas hoje
terceirizadas não se dá entre escolher um emprego com carteira assinada e
todos os direitos, ou um emprego terceirizado sem direito algum. A
opção é menos romântica. Trata-se de escolher entre a informalidade sem
direito algum e salários menores, ou um emprego terceirizado com
salários mais próximos da CLT e regularizado, de modo que a empresa
passe a ser obrigada a garantir alguns direitos.
Tudo isso
tem uma razão simples. Para estar sob a CLT, é necessário que cada
trabalhador produza 292% do seu salário apenas para bancar benefícios e
impostos trabalhistas. Nesse caso, trabalhadores terceirizados pagam
menos ao INSS e não recolhem FGTS. Ainda assim, estão dentro da
cobertura do INSS, um ganho com relação aos informais.
6. Trabalhar com carteira é sempre vantajoso?
Boa parte
dos trabalhadores do Brasil, como mostrado anteriormente, não está sob a
égide da CLT. Muitos deles trabalham como Pessoas Jurídicas (PJs),
sendo proprietários de empresas (individuais), através das quais emitem
notas fiscais aos seus contratantes (clientes).
A vantagem
é que, sob esse modelo, paga-se menos impostos, recolhe-se menos FGTS e
INSS, e a negociação entre trabalhador (no caso, empresa ofertante) e
contratante é mais flexível.
A
desvantagem é que não há a garantia dos “direitos” tradicionais: 13º,
férias remuneradas, abono salarial, licença-maternidade, etc.
Como mostrado em estudo da FGV,
as leis trabalhistas brasileiras geram um custo que é pago pela
empresa, mas não é recebido pelo trabalhador: a ele, os autores dão o
nome de “custo da legislação trabalhista”. Para entendê-lo, primeiro
fazem a pergunta: “qual é o salário equivalente do trabalhador?”, ou, em
outras palavras: “quanto o trabalhador desejaria receber se o salário
fosse sua única fonte de remuneração?”.
Esse custo, como explicitado pelos pesquisadores, pode chegar a quase 50% do custo total do trabalhador à empresa. Veja:
Sendo assim, muitos preferem “driblar” esse custo e trabalhar sem uma carteira de trabalho, como autônomos.
É o caso
dos motoristas do Uber, por exemplo: contratam o aplicativo e eles
mesmos montam sua jornada e grade de trabalho, livres de encargos
trabalhistas – embora, nesse caso, não trabalhem como PJ.
extraídadespotiniks.com
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