editorial do Estadão
Em Genebra, na Suíça, onde participou de debates e seminários sobre
direitos humanos e política na América Latina – e aproveitou para
denegrir as instituições brasileiras –, Dilma Rousseff defendeu a
regulação do caixa 2. “Tem de ter uma regulação de caixa 2. Tem de ter
uma lei que diga: é assim, é assado, pode isso, pode aquilo”, disse a
presidente cassada. Não chega a surpreender sua pitoresca capacidade de
pontificar sobre o que não conhece. Durante um mandato e meio na
Presidência da República, as declarações de Dilma Rousseff foram uma
verdadeira usina de platitudes, quando não de baboseiras
incompreensíveis.
A prática do caixa 2 não requer nenhum tipo de “regulação”. Trata-se, a priori,
do crime de falsidade ideológica, tipificado no artigo 299 do Código
Penal. Do ponto de vista eleitoral, o crime está previsto na Lei 4.737
de 1965. Diz o artigo 350 do Código Eleitoral: “Omitir, em documento
público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele
inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser
escrita, para fins eleitorais”. Da mesma forma, a natureza espúria do
caixa 2 já está reconhecida pela Lei 9.504 de 1997, que estabelece as
normas para as eleições. O parágrafo 3.º do artigo 22 do referido
diploma legal é cristalino: “O uso de recursos financeiros para
pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de
que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de
contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico,
será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já
houver sido outorgado”.
O caráter delituoso do caixa 2 já havia sido reconhecido pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) em 2012, durante o julgamento do mensalão. A
difundida tese dos “recursos de campanha não contabilizados” – uma
ardilosa manobra da defesa petista a fim de atenuar, em vão, a gravidade
do crime cometido pelo mais alto escalão do partido – foi amplamente
rechaçada pelos ministros da Corte Suprema. Então presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), a ministra Cármen Lúcia foi incisiva ao
chamar o caixa 2 pelo nome apropriado. “Acho estranho e muito grave que
alguém diga, com toda tranquilidade, que ‘ora, houve caixa 2’ na tribuna
do tribunal supremo do País como se fosse algo banal, tranquilo, que se
afirma com singeleza. Caixa 2 é crime. Caixa 2 é uma agressão à
sociedade brasileira”, disse à época a atual presidente do STF.
Em depoimentos prestados ao juiz Sérgio Moro como testemunhas na ação
penal em que Marcelo Odebrecht e Antonio Palocci são acusados de desvios
na contratação de sondas exploratórias pela Petrobrás, o empresário
Emílio Odebrecht e o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo
adotaram discursos semelhantes. Para o patriarca do Grupo Odebrecht,
“sempre existiu caixa 2”, prática que, segundo ele, foi o “modelo
reinante no País” para o financiamento de campanhas eleitorais. Já
Cardozo, atual advogado de Dilma Rousseff, classificou o caixa 2 como
uma prática recorrente e histórica.
De fato, não se pode negar que o caixa 2 seja um recurso frequente na
administração das contas de campanha de quase todos os partidos. Não por
acaso, políticos de todos os matizes ideológicos, dos mais variados
escalões, têm se apressado em vir a público enfatizar a recorrência da
prática como uma espécie de traço cultural distintivo da atividade
política no Brasil desde que a Segunda Turma do STF aceitou a denúncia
contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) pelos crimes de corrupção e
lavagem de dinheiro. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, o
senador é acusado de receber propina por meio de doação legalmente
registrada pela Queiroz Galvão, empreiteira investigada no âmbito da
Operação Lava Jato.
O discurso uníssono é reflexo do triunfo da “informalidade” sobre o
estrito cumprimento da lei. A naturalidade com que os políticos tratam
do caixa 2 é mais que um esforço de cinismo. Eles querem acreditar que
se trata de algo banal. Mas não é. Caixa 2, convém repetir, é crime e
quem faz a “contabilidade criativa” é criminoso.
extraídaderota2014blogspot
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