Carlos Andreazza: O Globo
O parimento do caixa 2 do bem merece nossa melhor atenção, leitor. Se não chega a ter ferramentas para esculpir o que chamam de anistia, é sob sua relativizada sombra que se pretendem curar, afinal, os políticos queimados, em graus variados, pelas delações dos executivos da Odebrecht.
O argumento de defesa — que transforma o caixa 2 do bem em instituto de sobrevivência — já irmana a caciquia e está na boca tanto de Lula quanto de FHC: parte da admissão de que, sim, os partidos receberam doações eleitorais não declaradas, mas para logo apresentar a ressalva de que as aplicaram integralmente nas campanhas — o que configuraria crime eleitoral, de punição branda. FHC é ainda mais generoso e não chama o troço nem de ilícito, mas de erro. E todos — alguns com razão, porque outro não cometeram — querem esse erro para si. É sonho comum a culpados maiores e menores; o crime que salva.
Esse é o caixa 2 do bem, a ser vendido como delito modesto, de cuja admissão e estabilização os políticos já tentam desdobrar o golpe de uma reforma política que nem é reforma nem política. O problema, assim, não seria a prática deturpada, o hábito descarrilado dos homens públicos, o modo como perverteram o sistema, mas o próprio sistema; que será — é o que se arma — transtornado em nome da preservação dos costumes.
A coisa, porém, é complexa. Porque há também o caixa 2 do mal: aquele que equilibra, tão real quanto valioso à narrativa de sobrevivência; aquele que, em confronto, humaniza o do bem; aquele que tem a mesma origem desviada — a doação ilegal —, mas que descamba do mero crime eleitoral para a vala do penal, propina, corrupção passiva, lavagem de dinheiro etc.
Avizinhamo-nos, pois, de um momento decisivo para o futuro da Operação Lava-Jato: o de enquadrar. Porque, uma vez aceitos os inquéritos propostos pelo procurador-geral da República, caberá ao Ministério Público Federal a responsabilidade vital de detalhar — de esmiuçar e amarrar — a natureza criminal, se eleitoral e/ou penal, do caixa 2 de cada um dos investigados, tipificar caso a caso, e então oferecer ao Supremo denúncias cuja solidez depende de serem singulares e específicas. O assombroso castelo de indícios e suspeitas está erguido. Todo o rigor agora deságua no rigor de ter de provar. O trabalho — arrisco escrever — mais importante da história do MPF; desafio, sem alternativa, para o qual a condução espetacular da Lava-Jato o levou.
Não é impossível, mas será difícil coletar provas capazes de capturar — tecnicamente — políticos no caixa 2 do mal. Do sucesso desse enquadramento, porém, depende que não tenhamos chegado até aqui apenas para testemunhar a festa generalizada dos multados eleitorais, farra que a sociedade compreenderá como mais um triunfo da impunidade.
Desse esforço de discernimento, que se comprometeu em destrinçar até os eventuais submundos do caixa 1, depende que não tenhamos criado somente as condições radicais para que os políticos, os mesmos que se quer defenestrar, premiem-se com o duplo advento — o sonho do PT — de financiamento público de campanha eleitoral e voto em lista fechada. Desse empenho depende também, por outro lado, a segurança — o sentido de justiça — para que entendamos e aceitemos que nem todos são grandes criminosos; em outras palavras: que admitamos a existência dos desprezíveis que, no entanto, somente praticaram crime eleitoral.
Há nuances. Há — muitos mais — riscos. E não há caminho de volta.
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Quando ouvir falar em reforma política, leitor, tenha certeza de que o querem enganar. Não há reforma política em debate; mas, sim, um movimento oportunista para garantir, com vistas a 2018, a viabilidade econômica dos partidos políticos conforme os conhecemos hoje e reforçar o poder — a blindagem — dos patriotas que os controlam. É golpe.
O que se pretende agora é impor, a toque (ops!) de caixa, um novo sistema para financiamento de campanhas eleitorais. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, explicando por que é filiado ao Democratas, foi direto: “A democracia precisa de dinheiro.”
A solução encontrada e já encaminhada, aliás, transforma Maia, expoente daquele que deveria ser o partido liberal brasileiro, em petista de carteirinha: financiamento público de campanha eleitoral — o que, a persistir o modelo de reparte corrente, dará ao PT o maior quinhão do dinheiro (proveniente do Tesouro Nacional) — e voto em lista fechada, o que assegurará aos políticos que o brasileiro quer cassar o domínio absoluto sobre quem representará o brasileiro no Parlamento. Você vota nas abstrações PT, PMDB, PSDB ou DEM — e transfere aos materialistas Lula, Jucá, Aécio e Maia, gestores do dinheiro público que bancará as campanhas, o condão de escolher quem será ou não deputado.
Anote, leitor: ainda sentiremos saudade do financiamento empresarial de campanhas eleitorais; e de votar em Chico Alencar e levar Jean Wyllys de brinde
extraídaderota2014blogspot
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