editorial do Estadão
Assiste razão ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), quando critica os vazamentos de investigações sigilosas que vêm
ocorrendo com crescente frequência, o que deveria preocupar a
Procuradoria-Geral da República (PGR). “Quando praticado por funcionário
público, vazamento é eufemismo para um crime que os procuradores
certamente não desconhecem. A violação do sigilo está no artigo 325 do
Código Penal”, lembrou Gilmar Mendes.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reagiu com maus modos à
advertência de Mendes, como se estivesse numa peleja de rua, sem se dar
conta de que o que se esperava dele eram providências eficazes para
fazer cessar a irregularidade denunciada.
De fato, o art. 325 do Código Penal tipifica o crime de violação de
sigilo funcional. À ação de “revelar fato de que tem ciência em razão do
cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”,
atribui-se a pena de detenção de seis meses a dois anos, ou multa, se o
fato não constitui crime mais grave.
A habitualidade dos vazamentos faz parecer, no entanto, que tal artigo
anda bem esquecido por algumas autoridades. Como alerta o ministro
Gilmar Mendes, “mais grave é que a notícia (do vazamento)
dá conta dessa prática dentro da estrutura da PGR. Isso é
constrangedor”. A isso ser verdade, é grave que essa prática venha sendo
aceita sem maiores contestações, como se fosse coisa menor ou até mesmo
benéfica, já que ajudaria a desmascarar a corrupção, ao tornar público,
por exemplo, quais são as pessoas investigadas em tal ou qual operação e
quais são os crimes que se lhes atribuem.
É um equívoco achar que os vazamentos contribuem para combater a
corrupção. Sua prática fere o bom Direito, sendo instrumento, não raro,
para difamação seletiva. Vaza-se o que interessa politicamente vazar e
mantém-se o restante sob o sigilo da lei. Esse modo de tratar as
informações às quais se tem acesso pelo cargo público, arbitrando o que
se guarda e o que se vaza, é grave distorção da função pública.
Não assiste razão, porém, ao ministro Gilmar Mendes quando dá a entender
que o vazamento de depoimentos de delações premiadas seria motivo
suficiente para nulidades processuais. É certo que a quebra do sigilo
pode levar, em determinadas circunstâncias, à anulação de algum
procedimento. Tal avaliação, no entanto, requer cuidado e rigor, sem
generalizações. A previsão de que alguns defeitos processuais possam
acarretar nulidade representa importante garantia num Estado Democrático
de Direito. Os procedimentos investigativos e o processo penal devem
respeitar rigorosamente a lei, sob o risco de legitimar arbitrariedades.
Dessa realidade não se infere, porém, qualquer necessidade de aventar
genericamente nulidades processuais, o que, por sinal, soa como música
nos ouvidos dos criminosos.
A confusão causada pelos vazamentos evidencia uma esquizofrenia no modo
de tratar a lei. De um lado, autoridades vazam com espantosa
licenciosidade informações que estão sob sigilo legal. Cada vez mais tal
prática é feita sem qualquer pudor, como se fosse da sua competência
definir arbitrariamente o que ficará restrito e o que se tornará
público. Em contraste com o relaxamento desses modos, atribui-se com
enorme facilidade caráter sigiloso a um sem-número de informações, como
se os trabalhos investigativos necessitassem de tanto rigor e segredo.
O habitual deve ser a transparência e a publicidade. Raras são as
ocasiões em que há motivo para decretar sigilo e, nos casos em que
houver motivo suficiente para tanto, o sigilo deve ter tempo
determinado. Em geral, muito breve. Sigilos eternos indicam que as
investigações não estão andando e, o que seria ainda pior, podem
sinalizar um desvio no uso do poder inerente ao cargo público. Mais do
que auxiliar nas investigações, a longa manutenção do sigilo poderia ser
ocasião para conferir a quem tem acesso às informações sigilosas um
poder de intimidação sobre os investigados que a lei de modo nenhum
confere.
extraídaderota2014blogspot
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