por Mary Zaidan Com Blog do Noblat - O Globo
Caixa oficial de campanha irrigado por propina, caixa dois com e sem
propina, propina fora dos períodos eleitorais para garantir maioria
parlamentar ou para comprar votações de interesse do pagante, propina
para rechear bolsos de amigos, para satisfazer mimos. Sem meias palavras
ou tergiversações, crimes.
É claro que há diferenças na gravidade, na frequência, na premeditação. É
assim para qualquer delito. Roubar é roubar, seja um doce ou um milhão.
Mas, assim como ninguém arquiteta o furto de um doce, dificilmente
garfa-se um milhão sem planejamento. Quanto mais bilhões. Não por outra
razão, busca-se punir o ato de acordo com o dolo.
Na política não deveria ser diferente. Mas é. Ou, pelo menos, tem sido.
Nesta semana, possivelmente amanhã, quando o Supremo receber a segunda
lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com as novas
dezenas de políticos enrolados na Lava-Jato, os citados continuarão
tentando aliviar o dolo para descriminalizar o ato.
Nada de novo. É o que sempre fizeram.
Nem mesmo vão se dar ao trabalho de adaptar o discurso depois de a
Segunda Turma do STF considerar que a doação eleitoral oficial não
exclui a hipótese da origem ilegal do dinheiro. Continuarão a exibir as
contas aprovadas, como se elas fossem atestado de lisura. E aquelas
declarações que realmente são idôneas vão se misturar com as que não
são.
Mas se é possível enxergar diferenças e eventuais injustiças entre
contas e mandatos limpos, que não foram contaminados pela roubalheira
que se apoderou do Estado durante os governos Lula da Silva e Dilma
Rousseff, o caixa dois a todos une. De Arnaldo Malheiros Filho, defensor
de Delúbio Soares no processo do mensalão, para quem o caixa dois era
“deslize típico da democracia brasileira”, ao ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, que até condena a prática, mas a considera apenas como
“um erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido”.
Ainda que não esteja tipificado no Código Penal, caixa dois não é
simplesmente um “erro”. Tem condenação expressa no artigo 350 do Código
Eleitoral – “Omitir, em documento público ou particular, declaração que
dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou
diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”–, com pena de
reclusão de até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias de multa. E
sabe-se lá porque essas punições nunca são aplicadas.
Além de ser crime, “caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira”,
como disse a hoje presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, ao passar um
pito em Malheiros Filho, que, na mesma sessão, em 2012, insistia em
tratar o ilícito como “recursos movimentados paralelamente”.
Adicionando mais elementos ao debate, o ministro do Supremo, Gilmar
Mendes, que atualmente preside o TSE, levanta a hipótese de que dinheiro
limpo pode, em tese, ter financiado caixa dois.
Não é de todo improvável, embora se some aí o crime moral de financiar
expectativa futura, algo usual em campanhas. Sabe-se que empreiteiras do
porte da Odebrecht, bancos e outras grandes empresas, espalhavam
recursos para todos os candidatos. Não queriam correr o risco de ficar
mal lá na frente caso A ou B vencesse. E um pouco ou muito mais – por
dentro e por fora – para o candidato predileto, aquele que, com certeza,
devolveria o investimento com lucro. Não por outro motivo, as notícias
sobre a conta só da Odebrecht com Lula-Dilma ultrapassaria a casa dos
US$ 300 milhões.
O emaranhado entre o lícito e o ilícito, o delito maior ou menor, só
ajuda os que têm contas a prestar. Além de juntar todos os políticos no
mesmo balaio, os que se locupletaram buscam misturar os crimes, tirar o
peso da premeditação, do dolo.
Na verdade, embora digam que não, temem mais os efeitos da quebra de
sigilo das delações da Odebrecht do que a citação na nova lista de
Janot, que, como a anterior, apresentada há exatos dois anos, demora a
sair do lugar. Dos 50 nomes de 2015, apenas 25 são alvos de inquéritos. E
só três – Aníbal Gomes (PMDB-CE), Nelson Meurer (PP-PR) e Gleisi
Hoffmann (PT-PR) – viraram réus no STF. Depois de cassado e antes de ter
seu processo aberto no Supremo, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) está preso
temporariamente em Curitiba.
E quem se lembra dos demais?
Na ponta do lápis, a conta é que a lista em si não produzirá efeitos
penais até as eleições de 2018. As delações, ao contrário, podem ser
devastadoras. Com ou sem provas, que só são apresentadas nos autos, elas
chegam como bomba na opinião pública. Não poupam nem os poucos
inocentes.
Pior: as confissões podem criar embaraços adicionais à na nova tentativa
dos deputados e senadores de aprovar anistia para delitos passados, de
zerar o caixa. Algo que, ao contrário de separar o joio do pouco trigo,
unirá pequenos e grandes delitos, de primários e reincidentes
extraídaderota2014blogspot
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