Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 23 de março de 2017

Importa se delator conta verdade, não sua motivação, diz socióloga

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER - Folha de São Paulo

 Premiada ou altruísta, a delação veio para ficar. Ela é, afinal, uma das ferramentas mais poderosas que investigadores têm para desbaratar um esquema de corrupção, afirma a socióloga americana Beatrice Edwards.
O mensageiro não carrega a mais nobre das intenções? Tudo bem: se sua mensagem contém informações críticas ao interesse público, é o que conta, diz à Folha. "Alguém ter um interesse por trás, isso não importa tanto. O que importa é se a pessoa está contando a verdade."
Edwards fala nesta quarta-feira (15) em São Paulo, a convite do Centro de Liderança e Inovação, do Insper, sobre dilemas éticos que envolvem as duas pontas dessa corda: o informante e o investigador. (As inscrições para o evento já estão encerradas.) A Operação Lava Jato, a qual a convidada diz acompanhar pelo noticiário, entrará no debate.
Ela é analista-sênior do GAP, sigla em inglês para Projeto de Responsabilidade Governamental, que desde 1977 zela pela proteção de informantes. Pela entidade, já foi ao socorro de Edward Snowden, ex-empregado da Agência de Segurança Nacional dos EUA que vazou documentos secretos para expor programas de vigilância de seu governo –o que incluía espionar a brasileira Dilma Rousseff e a alemã Angela Merkel.

Herói para alguns, traidor para outros, Snowden é um clássico "whistleblower" ("soprador de apito", jargão para informantes), por ter feito o que fez "por estar enojado com o aparato de segurança", afirma Edwards –adepta de uma imagem romântica questionada por livros como "How America Lost its Secrets" (como a América perdeu seus segredos), que pinta um Snowden obcecado com o estrelato global.
 Réus que colaboraram com a Justiça na Lava Jato, em troca de penas menores, configuram outro tipo de delator. Mas, para ela, a história também é feita a partir de motivações mais egoístas.
Veja o caso do mais famoso "whistleblower" dos EUA. Número dois do FBI nos anos 1970, Mark Felt vazou informações que culminaram no escândalo Watergate e na renúncia de Richard Nixon.
Por décadas, para o público Felt era só um pseudônimo: Garganta Profunda. Em 2005, aos 91 anos, ele revelou sua identidade (morreria três anos depois). Depois veio à tona que, além de querer jogar a corrupção do governo no ventilador, Felt também expurgava uma frustração pessoal."Ele estava zangado porque haviam lhe negado uma promoção [no FBI]."
Nos EUA, a figura do informante ganha ares de "lobo solitário, o caubói que entra na cidade e expõe o xerife corrupto", afirma a socióloga.
Delatores da Lava Jato não ganharam tratamento parecido no Brasil. Nem por isso deixam de ter seu valor.
Para Edwards, ainda que o denunciante esteja envolvido com malfeitos, sem sua ajuda uma investigação pode empacar. "Quando há um esquema muito complicado, com considerável montante de dinheiro se movendo, precisamos de algum tipo de orientação interna."
Exemplo: o FBI conseguiu derrubar a Cosa Nostra ao convencer mafiosos de diferentes níveis hierárquicos a suspender a "omertà", termo para um pacto de silêncio entre o crime organizado.
Relatório da ONU mostra que a informação de dentro é "a principal ferramenta para desfraldar atividades fraudulentas" –é a origem de 40% das investigações, segundo levantamento de 2014 com 2.410 casos de 114 países.
Algumas impressões da estudiosa sobre a operação: o juiz Sergio Moro é "muito corajoso", e ver Marcelo Odebrecht preso "é uma tremenda conquista".
A acadêmica critica eventuais abusos do Judiciário, como estender a prisão de acusados para pressioná-los a aderir à delação premiada, acusação comum entre advogados de defesa da Lava Jato.
Sua organização cogitaria defender os delatores brasileiros? "Nós certamente consideraríamos." Tudo é decidido no caso a caso, afirma.
Um eventual apoio dependerá de três fatores: o "grau de interesse público" no que a pessoa tem a compartilhar, o "envolvimento da testemunha no esquema" e a "probabilidade de, sem proteção, ela ser silenciada ", diz.
Edwards compara a situação brasileira com a de casa: "nos EUA de agora, parece que o Executivo foi inundado por condutas potencialmente criminais".
E informantes serão essenciais para pôr sob escrutínio a Casa Branca de Donald Trump, que sequer divulgou seu Imposto de Renda. "Não estamos acostumados com esse nível de segredo."
"Em resumo, 'whistleblowers' e vazadores são uma forma de manter um governo honesto, e a imprensa livre e agências regulatórias sempre dependerão deles."

























extraídaderota2014blogspot

0 comments:

Postar um comentário

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More