ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER - Folha de São Paulo
Premiada ou altruísta, a delação veio para ficar. Ela é, afinal, uma das
ferramentas mais poderosas que investigadores têm para desbaratar um
esquema de corrupção, afirma a socióloga americana Beatrice Edwards.
O mensageiro não carrega a mais nobre das intenções? Tudo bem: se sua
mensagem contém informações críticas ao interesse público, é o que
conta, diz à Folha. "Alguém ter um interesse por trás, isso não importa
tanto. O que importa é se a pessoa está contando a verdade."
Edwards fala nesta quarta-feira (15) em São Paulo, a convite do Centro
de Liderança e Inovação, do Insper, sobre dilemas éticos que envolvem as
duas pontas dessa corda: o informante e o investigador. (As inscrições
para o evento já estão encerradas.) A Operação Lava Jato, a qual a
convidada diz acompanhar pelo noticiário, entrará no debate.
Ela é analista-sênior do GAP, sigla em inglês para Projeto de
Responsabilidade Governamental, que desde 1977 zela pela proteção de
informantes. Pela entidade, já foi ao socorro de Edward Snowden,
ex-empregado da Agência de Segurança Nacional dos EUA que vazou
documentos secretos para expor programas de vigilância de seu governo –o
que incluía espionar a brasileira Dilma Rousseff e a alemã Angela
Merkel.
Herói para alguns, traidor para outros, Snowden é um clássico
"whistleblower" ("soprador de apito", jargão para informantes), por ter
feito o que fez "por estar enojado com o aparato de segurança", afirma
Edwards –adepta de uma imagem romântica questionada por livros como "How
America Lost its Secrets" (como a América perdeu seus segredos), que
pinta um Snowden obcecado com o estrelato global.
Réus que colaboraram com a Justiça na Lava Jato, em troca de penas
menores, configuram outro tipo de delator. Mas, para ela, a história
também é feita a partir de motivações mais egoístas.
Veja o caso do mais famoso "whistleblower" dos EUA. Número dois do FBI
nos anos 1970, Mark Felt vazou informações que culminaram no escândalo
Watergate e na renúncia de Richard Nixon.
Por décadas, para o público Felt era só um pseudônimo: Garganta
Profunda. Em 2005, aos 91 anos, ele revelou sua identidade (morreria
três anos depois). Depois veio à tona que, além de querer jogar a
corrupção do governo no ventilador, Felt também expurgava uma frustração
pessoal."Ele estava zangado porque haviam lhe negado uma promoção [no
FBI]."
Nos EUA, a figura do informante ganha ares de "lobo solitário, o caubói
que entra na cidade e expõe o xerife corrupto", afirma a socióloga.
Delatores da Lava Jato não ganharam tratamento parecido no Brasil. Nem por isso deixam de ter seu valor.
Para Edwards, ainda que o denunciante esteja envolvido com malfeitos,
sem sua ajuda uma investigação pode empacar. "Quando há um esquema muito
complicado, com considerável montante de dinheiro se movendo,
precisamos de algum tipo de orientação interna."
Exemplo: o FBI conseguiu derrubar a Cosa Nostra ao convencer mafiosos de
diferentes níveis hierárquicos a suspender a "omertà", termo para um
pacto de silêncio entre o crime organizado.
Relatório da ONU mostra que a informação de dentro é "a principal
ferramenta para desfraldar atividades fraudulentas" –é a origem de 40%
das investigações, segundo levantamento de 2014 com 2.410 casos de 114
países.
Algumas impressões da estudiosa sobre a operação: o juiz Sergio Moro é
"muito corajoso", e ver Marcelo Odebrecht preso "é uma tremenda
conquista".
A acadêmica critica eventuais abusos do Judiciário, como estender a
prisão de acusados para pressioná-los a aderir à delação premiada,
acusação comum entre advogados de defesa da Lava Jato.
Sua organização cogitaria defender os delatores brasileiros? "Nós
certamente consideraríamos." Tudo é decidido no caso a caso, afirma.
Um eventual apoio dependerá de três fatores: o "grau de interesse
público" no que a pessoa tem a compartilhar, o "envolvimento da
testemunha no esquema" e a "probabilidade de, sem proteção, ela ser
silenciada ", diz.
Edwards compara a situação brasileira com a de casa: "nos EUA de agora,
parece que o Executivo foi inundado por condutas potencialmente
criminais".
E informantes serão essenciais para pôr sob escrutínio a Casa Branca de
Donald Trump, que sequer divulgou seu Imposto de Renda. "Não estamos
acostumados com esse nível de segredo."
"Em resumo, 'whistleblowers' e vazadores são uma forma de manter um
governo honesto, e a imprensa livre e agências regulatórias sempre
dependerão deles."
extraídaderota2014blogspot
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