Carlos Alberto Sardenberg: O Globo
A Previdência brasileira, incluindo o pessoal do INSS e servidores de
todos os níveis, fechou o ano passado com um déficit de R$ 316 bilhões.
Esse é o resultado do total de contribuições pagas pelos trabalhadores e
pelos patrões, incluídos os governos, menos o total de aposentadorias e
pensões pagas. Isso significa que o governo federal e os estaduais
tiraram dinheiro de outros impostos e contribuições para pagar aos
aposentados.
Como o déficit é crescente, está na cara que, se não for contido, os
governos acabarão tendo de usar toda a receita arrecadada para financiar
o sistema de aposentadoria. Claro que essa é a situação impossível — a
hipótese apenas indica que vai faltar dinheiro.
Como há déficit tanto no INSS quanto nos sistemas de aposentadoria de servidores, todos devem entrar na reforma, certo?
Não é bem assim.
O presidente Temer resolveu tirar do projeto de reforma todos os
servidores estaduais — sistema esse que fez um déficit de R$ 89,6
bilhões no ano passado. Já estavam de fora os militares, cujo sistema
teve um rombo de R$ 34,1 bilhões.
Portanto, daquele déficit total de R$ 316 bilhões, nada menos que R$
123,7 bi, ou 40%, estão excluídos do projeto de emenda constitucional, a
PEC da Previdência.
Como os servidores são os que têm maior poder de pressão sobre deputados
e senadores que vão votar a reforma, não se exclui a hipótese de que os
funcionários civis federais também sejam tirados da atual PEC. No ano
passado, o déficit aí foi de R$ 43,1 bilhões.
No total, ficaria de fora um rombo de R$ 166,8 bilhões, referente a três milhões de aposentados, com os melhores rendimentos.
E assim ficaria na reforma só pessoal do INSS que, de fato, apresenta o
maior déficit: R$ 149,7 bilhões. Só que para pagar 30 milhões de
brasileiros, sendo que quase 60% recebem um salário mínimo.
Seria a reforma do povão.
CORRUPÇÃO NA CARNE
Pessoal diz que se o fiscal estava achacando o frigorífico, então é lógico que a indústria estava produzindo carne podre.
Certo?
Pode não ser.
É perfeitamente possível, provável até, que o fiscal estivesse exigindo
propina para não criar dificuldades. Isso acontece direto e não apenas
na indústria da carne. A legislação brasileira é complexa, minuciosa e
confusa, nos três níveis de governo, e para todos os setores da
economia. Um fiscal mal intencionado e bem experiente acha pelo em ovo
com facilidade.
Podem perguntar ao contador ou ao advogado trabalhista de qualquer
empresa séria: você tem certeza de que está tudo certinho? A resposta
honesta será algo mais ou menos assim: até onde a gente consegue ver,
parece correto, mas nunca se sabe.
Esse ambiente, claro, favorece a propina.
Acrescente ao quadro o aparelhamento do Estado brasileiro, sistema em
que os partidos ou grupos políticos trocam apoios por nomeações dos
companheiros para as mais diversas funções de governo. E assim chegamos à
corrupção política.
Muitos políticos, inclusive aqueles que se encontram no grupo dos
honestos, sustentam que não há problema nas nomeações quando o indicado é
tecnicamente aparelhado para o cargo.
É falso porque o nomeado sabe que está lá não por suas qualidades
técnicas, mas pela força da indicação política. Os diretores da
Petrobras apanhados na Lava-Jato eram qualificados para os cargos.
No governo FHC foi feita uma reforma administrativa com o objetivo de
profissionalizar a gestão pública. Parte importante foi a criação das
agências reguladoras, que deveriam ser independentes do aparelho
político de governo.
Teve um funcionamento inicial razoável. Mas logo avacalharam.
Especialmente a partir do governo Lula, os cargos nas agências foram
loteados da mesma maneira que, digamos, uma diretoria sanitária do
Ministério da Agricultura.
Em resumo: a “Operação Carne Fraca” parece ser um fiasco. Mas mostrou de
novo aquilo que a Lava-Jato escancarou, que a corrupção política é
sistêmica e geral.
E poderosa. Não é que muita gente está tentando aproveitar a falha da
Polícia Federal nesse caso para melar todas as investigações? Algo
assim: a carne não era podre, logo vamos cancelar as delações.
Não é fácil acabar com um sistema entranhado na cultura e na prática políticas.
NO ESTRANGEIRO
Pode parecer exagerada a reação dos governos que embargaram a importação
de carne brasileira. Afinal, o Brasil é o maior exportador mundial, a
superpotência do setor, estabelecido no negócio há muito tempo, vendendo
boi, frango e porco há décadas a mais de uma centena de países. Como
não consta que os fregueses estrangeiros tenham adoecido com a carne
brasileira, então qual o problema com uma operação policial limitada e
equivocada?
O problema é que o Brasil está no noticiário internacional por causa da
grossa corrupção na Petrobras, inicialmente, apanhada por uma famosa
operação policial.
Ou seja, limpar a imagem da carne brasileira exige também apanhar a corrupção.
extraídaderota2014blogspot
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