Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 27 de março de 2017

"Reforma política de verdade",

 editorial do Estadão

Não é mera coincidência que em meio a escândalos de corrupção prosperem ideias para uma reforma política sob medida para garantir sobrevida eleitoral de caciques partidários enrolados na Justiça e para ampliar o financiamento público de campanhas. Foi assim em 2007, quando o caso do mensalão fazia seus estragos e o PT passou a defender formalmente uma reforma política que incluísse o voto para deputado e vereador em lista fechada – em que o eleitor não vota num candidato, mas em uma relação oferecida pelo partido – e a criação de um fundo público para bancar as campanhas. É assim agora, quando, diante da ameaça da Lava Jato de ceifar parte considerável do Congresso e das lideranças partidárias, novamente ganham espaço propostas de reforma política que incluem lista fechada e fundo público eleitoral.
Nem bem a Procuradoria-Geral da República entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF) os 83 pedidos de abertura de inquérito contra uma constelação de políticos das mais variadas extrações, o presidente da República, Michel Temer, reuniu-se com os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – ambos citados na lista da Procuradoria –, além do ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, para discutir com eles a necessidade urgente de uma reforma política.
Tanto em 2007 como agora as boas intenções abundam. Na época do mensalão, os petistas alegavam que sua proposta de reforma política serviria para “coibir o poder econômico do capital no processo eleitoral, fortalecer os partidos políticos, enfrentar a crise de representação institucional que hoje atinge índices alarmantes e combater as fontes da corrupção sistêmica”, conforme se lê na resolução do 3.º Congresso do PT sobre Reforma Política e Constituinte.
Do mesmo modo que não havia Poliana capaz de engolir as lorotas pseudodemocráticas dos petistas, é difícil imaginar que a discussão atual sobre reforma eleitoral, nos termos em que ela vem sendo proposta, não seja apenas uma tentativa de reduzir danos.
“Há amplo consenso sobre a necessidade e a urgência de reforma do sistema político-eleitoral brasileiro. Essa realidade incita os Poderes da República e a sociedade civil a se unirem para a efetivação das mudanças que levem a uma melhora expressiva na representação política nacional”, diz a nota conjunta resultante da reunião de Temer com a cúpula do Congresso e o ministro Gilmar Mendes, a quem é atribuída a paternidade da ideia de deflagrar o debate.
Gilmar Mendes se disse “extremamente preocupado” com o “mau desenvolvimento do sistema político-eleitoral”. Para ele, o remédio está na mudança do modelo de financiamento de campanha, que, por sua vez, passa pela alteração do próprio sistema eleitoral. “Não adianta nada falar-se de criar um sistema público de financiamento, por exemplo, com o sistema que temos hoje de lista aberta”, disse o ministro do STF, dando a deixa não apenas para a criação do fundo de financiamento público para eleições, como também a adoção da lista fechada.
Nesses termos, o debate sobre a reforma política destina-se muito mais a permitir a sobrevivência de partidos e líderes lanhados pelos escândalos do que a devolver ao eleitor o poder de seu voto. Uma reforma política digna desse nome poderia começar simplesmente por algum dos projetos ora em tramitação no Congresso que criam cláusula de barreira, para impedir que partidos de aluguel possam existir, e acabam com as coligações nas eleições proporcionais, que se formam em razão de interesses meramente eleitoreiros e elegem candidatos sem voto.
Esse seria o caminho mais rápido e racional para melhorar o sistema. Aparentemente, contudo, a preocupação maior é aliviar a agonia de partidos que antes viviam da fartura das doações empresariais, além de permitir que políticos envolvidos em falcatruas continuem a se eleger.
Na nota assinada pelos principais dirigentes da República, diz-se que a intenção não é “apagar o passado”, e sim construir um sistema “mais adequado aos tempos atuais”, atendendo melhor “aos desígnios de nossa democracia e às expectativas de nosso povo”. Se for essa a intenção, o debate começou muito mal.

















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