MAÍLSON DA NÓBREGA REVISTA VEJA
A PEC 241, que pretende
fixar um teto para os gastos primários do governo federal (não poderão
crescer acima da inflação por vinte anos), revelou um aspecto triste e
outro promissor. O triste é a reafirmação da visão equivocada de
corporações que se opõem à medida e são coadjuvadas por segmentos da
sociedade estrábicos por ideologia ou ignorantes em questões econômicas e
financeiras elementares. O lado promissor é a chance de virmos a
construir as condições para discutir o conflito orçamentário,
interditado desde priscas eras.
A mais vistosa manifestação
(houve outras) do corporativismo foi a nota da Procuradoria-Geral da
República (PGR) ao Congresso, em que qualifica a PEC de
"inconstitucional" por provocar o "enfraquecimento das instituições do
Estado", as quais não disporiam dos "recursos necessários" para
"reajustes/reestruturação de carreira", "reposição de quadros de
pessoal" - e por aí seguiu... Isso, segundo tal entendimento, impediria
"o crescimento e a expansão da instituição e, em última análise, implica
seu aniquilamento".
Os procuradores (mais juizes e outros que
adotaram a mesma linha) desprezam um conceito básico de economia e
finanças, qual seja, a "restrição orçamentária": os gastos de indivíduos
e famílias estão limitados à soma da sua renda e da capacidade de se
endividarem. O mesmo vale para o setor público, que pode superá-la
emitindo moeda, mas ao preço de gerar inflação, destruir o potencial de
crescimento e prejudicar mais os pobres.
O conceito foi ignorado
pelos constituintes de 1988, que criaram pesadas obrigações para o
governo, particularmente em programas sociais e vantagens destinados a
servidores públicos e aposentados. Desde então, contornou-se a
"restrição" elevando tributos e o endividamento do Tesouro. A carga
tributária e a dívida pública dobraram, o que permitiu o crescimento
anual dos gastos a 6% acima da inflação. Agora passamos do limite. A
carga tributária, excessiva, inibe o crescimento econômico. A dívida
pública, explosiva, pode levar à insolvência do Tesouro e à
hiperinflação.
Para a PGR, todavia, sua autonomia financeira deve
ficar livre da "restrição". Recursos para aumentar salários, vantagens e
outros precisam ser-lhe garantidos, ainda que o país esteja quebrado - o
que ela busca justificar pela importância de suas atribuições.
Ora,
uma família pode ter desejos legítimos como comprar carro, viajar,
reformar a casa e semelhantes, mas deve observar a "restrição". Não pode
ser diferente em órgãos do governo, independentemente de sua
relevância.
A PEC 241 não resolve, isoladamente, os graves
problemas fiscais do Brasil, que ameaçam a estabilidade, o crescimento e
o objetivo de reduzir as desigualdades. Precisa, por isso, ser
complementada por reformas como a da Previdência, cuja
insustentabilidade financeira pode inviabilizar a gestão orçamentária,
levar o país à breca e frustrar, em futuro próximo, o pagamento de
aposentados e pensionistas.
A medida é necessária, ainda que
suscetível de aperfeiçoamentos. Seu maior efeito institucional será
criar as condições para que, enfim, a "restrição" e o conflito
orçamentário se imponham. O conflito surgiu quando a moderna democracia
ocidental, iniciada com a Revolução Gloriosa inglesa (1688), atribuiu ao
Parlamento a função de aprovar anualmente o Orçamento e, assim, de
enfrentá-lo. Como são os parlamentares que decidem a aplicação da
receita pública, passou-se a escolher entre demandas ao mesmo tempo
legítimas e conflitantes.
No Brasil, isso nunca aconteceu. O
Congresso inexistia na colônia. Depois, nos períodos de autoritarismo,
era o Executivo que ditava as prioridades. Na democracia, o conflito foi
ignorado. As corporações conseguiram reservar, via vinculação de
recursos, parcelas crescentes do Orçamento para si próprias. Outros
"donos" do Orçamento fizeram o mesmo. Esse será o tema da próxima
coluna. Buscarei explicar como os grupos de interesse impuseram seus
objetivos, em detrimento da maioria da sociedade. Mostrarei que a PEC
241, se passar, promoverá saudável modernização do Orçamento e da
democracia.
extraídadeavarandablogspot
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