por César Muñoz Acebes O Globo
As estatísticas de homicídios no Rio de Janeiro parecem de zonas de
guerra. De janeiro a setembro, 4.482 pessoas morreram de forma violenta,
635 delas nas mãos da polícia. Vinte e seis policiais morreram em
serviço e muitos outros de folga.
No domingo, moradores da Cidade de Deus encontraram os corpos de seis
homens e um adolescente de 17 anos. Seus parentes acreditam que a
polícia os matou em represália à queda de um helicóptero, que matou
quatro policiais. As evidências até agora apontam para um problema
mecânico.
Há apenas quatro anos a situação era muito diferente. A letalidade
violenta caíra quase pela metade da taxa da década anterior. Mesmo no
Complexo do Alemão, considerado a base de uma das facções criminosas
mais poderosas do Rio, o clima era otimista após a implementação das
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). “Foram dois anos sem um tiro”,
me disse uma moradora e ativista. Agora, tiroteios são uma realidade
diária.
O que aconteceu?
O declínio das UPPs foi um fator-chave. O objetivo do projeto era tirar o
controle das favelas dos traficantes e permitir ao Estado fornecer
serviços de saúde e educação. Mas o Estado não correspondeu.
“O Estado nunca apareceu, só a polícia”, disse um tenente da Polícia
Militar que entrevistei no ano passado na UPP Mangueira, e que cresceu
no Complexo do Alemão. “Criou-se a expectativa no morador, que acabou
não vendo esse resultado e joga a culpa na polícia.”
O próprio tenente ficou desiludido, como muitos outros policiais que
entrevistei em várias UPPs. Eles se sentiam abandonados, sem o apoio
material e psicológico adequado para trabalhar em um ambiente cada vez
mais hostil.
Alguns policiais disseram que execuções extrajudiciais e abusos por
parte de colegas colocavam todos em perigo ao romper a confiança da
comunidade. “Casos de violência e corrupção fazem você perder a
credibilidade”, me disse no ano passado Robson Rodrigues, então chefe do
Estado Maior da Polícia Militar.
Mas a resposta a esses casos, pelas polícias Militar e Civil e o
Ministério Público, tem sido decepcionante. Policiais envolvidos em
execuções raramente são levados à Justiça, segundo pesquisa da Human
Rights Watch e outras organizações. Os traficantes têm aproveitado as
falhas do Estado, do Judiciário e da própria polícia para retomarem o
território.
Recuperar a confiança da comunidade é crucial para reverter o ciclo de violência no Rio.
Operações policiais que deixam rastro de sangue e lágrimas são
contraproducentes. Para combater o crime, o Estado precisa convencer os
moradores a denunciarem atividades criminosas e deporem como
testemunhas.
Um passo essencial para mostrar seriedade na defesa do estado de direito
é conduzir investigações sérias sobre mortes de policiais e também
sobre denúncias de abusos. Processar os que cometem abusos ajudaria as
comunidades a confiarem na força policial e facilitaria o trabalho dos
bons policiais.
César Muñoz Acebes é pesquisador da Human Rights Watch para o Brasil
extraídaderota2014blogspot
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