Jornalista Andrade Junior

domingo, 27 de novembro de 2016

"O dono da crise",

por José Casado O Globo

 Esta é uma crise que tem dono. O nome dele é Michel Temer. Ela não começou e nem deve terminar na demissão do sexto ministro, em seis meses. Sua origem está na aversão do presidente ao conflito.
Aos 75 anos, Temer já viu quase tudo na política contemporânea: golpes, contragolpes, ditadura, eleições diretas, indiretas e dois impedimentos presidenciais. Sobreviveu, preservando-se no limite da equidistância.
A exceção foi no último impeachment. Com apoio de amigos como Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Moreira Franco e Eduardo Cunha, comandou o roteiro da cerimônia de adeus de Dilma Rousseff, tornando-se usufrutuário da cadeira presidencial.
Anteontem, ao revisar a nota oficial do governo sobre a demissão e o depoimento à polícia do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, Temer fez questão de destacar uma frase: “O presidente buscou arbitrar conflitos entre os ministros e órgãos da Cultura.”
Nessa dúzia de palavras transparece algum apreço pela taramelaria, porque, no caso, não havia resquício de conflito de interesse público “entre os ministros e órgãos” a exigir arbitragem do presidente da República.
Existia, sim, um confronto entre as prioridades pecuniárias de um incorporador imobiliário privado — ocasionalmente, com o botão de ministro da Secretaria de Governo na lapela — e as de um organismo federal que há 80 anos é responsável por uma política de Estado, a preservação do patrimônio cultural.
A demissão do ministro pode encerrar o episódio e o inquérito policial decorrente. Durante seis meses, o ex-deputado baiano, com o sorriso pleno das gordas bochechas que distendiam a vasta papada branca sobre o colarinho, predominou nas fotografias e nos bastidores do governo do “querido amigo”, como qualificou na carta ao presidente.
A despedida de Geddel, porém, não liquida a crise, porque o nome dela é Temer. Na gênese está um presidente avesso a conflitos, cujo maior problema são os amigos. Eles são muitos, especialmente no Congresso, onde alguns reivindicam seu discreto apoio em causa própria — como demonstram as opacas negociações conduzidas pelo presidente da Câmara sobre a anistia ao caixa dois, simultâneas às dirigidas pelo presidente do Senado sobre a permissão à repatriação de dinheiro de origem questionável pelos parentes de políticos.
O caso Geddel sugere que a Temer muito custará conservar os amigos, porque governa com eles — e o poder do “querido amigo” presidente nem sempre será suficiente para contentá-los.


























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