por José Casado O Globo
Esta é uma crise que tem dono. O nome dele é Michel Temer. Ela não
começou e nem deve terminar na demissão do sexto ministro, em seis
meses. Sua origem está na aversão do presidente ao conflito.
Aos 75 anos, Temer já viu quase tudo na política contemporânea: golpes,
contragolpes, ditadura, eleições diretas, indiretas e dois impedimentos
presidenciais. Sobreviveu, preservando-se no limite da equidistância.
A exceção foi no último impeachment. Com apoio de amigos como Geddel
Vieira Lima, Eliseu Padilha, Moreira Franco e Eduardo Cunha, comandou o
roteiro da cerimônia de adeus de Dilma Rousseff, tornando-se
usufrutuário da cadeira presidencial.
Anteontem, ao revisar a nota oficial do governo sobre a demissão e o
depoimento à polícia do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, Temer fez
questão de destacar uma frase: “O presidente buscou arbitrar conflitos
entre os ministros e órgãos da Cultura.”
Nessa dúzia de palavras transparece algum apreço pela taramelaria,
porque, no caso, não havia resquício de conflito de interesse público
“entre os ministros e órgãos” a exigir arbitragem do presidente da
República.
Existia, sim, um confronto entre as prioridades pecuniárias de um
incorporador imobiliário privado — ocasionalmente, com o botão de
ministro da Secretaria de Governo na lapela — e as de um organismo
federal que há 80 anos é responsável por uma política de Estado, a
preservação do patrimônio cultural.
A demissão do ministro pode encerrar o episódio e o inquérito policial
decorrente. Durante seis meses, o ex-deputado baiano, com o sorriso
pleno das gordas bochechas que distendiam a vasta papada branca sobre o
colarinho, predominou nas fotografias e nos bastidores do governo do
“querido amigo”, como qualificou na carta ao presidente.
A despedida de Geddel, porém, não liquida a crise, porque o nome dela é
Temer. Na gênese está um presidente avesso a conflitos, cujo maior
problema são os amigos. Eles são muitos, especialmente no Congresso,
onde alguns reivindicam seu discreto apoio em causa própria — como
demonstram as opacas negociações conduzidas pelo presidente da Câmara
sobre a anistia ao caixa dois, simultâneas às dirigidas pelo presidente
do Senado sobre a permissão à repatriação de dinheiro de origem
questionável pelos parentes de políticos.
O caso Geddel sugere que a Temer muito custará conservar os amigos,
porque governa com eles — e o poder do “querido amigo” presidente nem
sempre será suficiente para contentá-los.
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