Demétrio Magnoli: Folha de São Paulo
Mark Zuckerberg escolheu seu lado. Vários anos atrás, em visita à China,
ele foi recepcionado pelo banner viral "Bem-vindo à China, fundador do
site Erro 404", difundido por blogueiros anônimos em protesto contra a
censura oficial à internet. Do episódio, o CEO do Facebook extraiu a
conclusão de que os negócios vêm sempre em primeiro lugar –e decidiu
aliar-se aos censores. O Facebook desenvolve um software destinado a
bloquear regionalmente conteúdos "impróprios" nos news feed de usuários.
A ferramenta, passaporte de retorno da empresa ao mercado chinês, é uma
prova brutal de que estava errada a associação entre a emergência das
redes sociais e a democratização da informação.
Há provas menos brutais, mas não menos preocupantes. Nas eleições
americanas, como evidenciou o Buzzfeed, notícias falsas obtiveram
audiência maior que notícias verdadeiras. A constrangedora revelação
conduziu o Google e o Facebook a anunciarem projetos de bloqueio de
anúncios para sites engajados na divulgação de inverdades, mas ninguém
deveria acreditar nisso. Numa ponta, o negócio da mentira é mais barato
que o da verdade. Na outra, a mentira converteu-se em poderoso
instrumento político, manipulado por partidos e movimentos ideológicos
diversos.
A imprensa moderna, baseada na notícia, nasceu junto com o telégrafo e a
telefonia, fincando um pilar vital dos sistemas democráticos. O advento
dos grandes jornais configurou a opinião pública –isto é, a parcela da
população informada pelas publicações de referência. O jornalismo
organizou-se em torno de redações profissionais, regras de apuração
noticiosa e um conjunto de princípios éticos destinados a separar a
verdade da mentira. Nessa era de declínio da imprensa, experimentamos o
outono da antiga fronteira: verdade e mentira misturam-se no caldo
indiferenciado das redes sociais.
Os grandes jornais consolidaram-se como focos da "praça do mercado" das
democracias. Toda a opinião pública reunia-se num espaço comum de
diálogo, no qual floresciam as divergências. A retração da imprensa e o
concomitante avanço das redes sociais vai destruindo a velha praça, que é
substituída por incontáveis coretos tribais. Um palanque em cada
esquina –eis a regra da "nova mídia", fragmentada em blogs iracundos e
milhões de páginas pessoais alimentadas por fábricas de novidades de
origens misteriosas. A fragmentação da opinião pública numa miríade de
correntes rivais implode o diálogo: cada um conversa exclusivamente com
seus iguais.
"Você tem direito às suas próprias opiniões, não aos seus próprios
fatos", reclamou certa vez o senador e sociólogo americano Daniel
Patrick Moynihan. Na "praça do mercado", a opinião pública discutia, às
vezes ferozmente, sobre o significado e as implicações de fatos
compartilhados.
O estilhaçamento da praça comum provoca um deslizamento cognitivo: nos
universos paralelos das redes sociais, cada um tem direito a seus
próprios fatos. Sob a égide da pós-verdade, o debate público fenece,
dando lugar a uma gritaria dissonante.
Obama é um muçulmano que não nasceu nos EUA. Hillary Clinton cometeu
centenas de assassinatos. George Soros comanda uma rede mundial de
associados "globalistas" que conspiram contra as nações e os povos.
Sergio Moro é um agente secreto do governo americano consagrado à missão
de provocar a falência das empresas nacionais de engenharia. Na velha
"praça do mercado", a mentira factual era confrontada pela refutação de
veículos de imprensa concorrentes. Na era das redes sociais, sob névoa
espessa, instaura-se uma "guerrilha da informação".
Steve Bannon era o editor do Breitbart News, um site da "direita
alternativa", dedicado à manufatura de "notícias" do movimento
nacionalista e nativista americano. Trump nomeou-o chefe-estrategista da
Casa Branca. Pra que censura, se temos o Facebook?
EXTRAÍDADEAROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário