editorial da Folha de São Paulo
Vive-se "um susto a cada esquina", disse um dos responsáveis pela Operação Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol, em entrevista à "TV Folha" na
quinta-feira (17). Ele se referia às notícias de que, na Câmara e no
Senado, multiplica-se o esforço para diminuir o alcance dos instrumentos
legais de combate à corrupção.
Com efeito, duas manobras cujo resultado seria determinar uma anistia
oculta a envolvidos em irregularidades já foram barradas na undécima
hora.
A primeira, que se acreditava capaz de anular os processos em curso
sobre uso de caixa dois nas campanhas eleitorais, a custo foi contida
quando a Câmara, em sessão excepcionalmente realizada numa noite de
segunda-feira, preparava-se para o voto em plenário.
Outra articulação, também desfeita após entrevista convocada às pressas
pelos procuradores da Lava Jato, visava a permitir que a legislação
sobre acordos de leniência (gênero de delação premiada para empresas
envolvidas em corrupção) fosse abrandada.
Adiou-se para esta terça-feira (22), por sua vez, a votação em comissão especial da Câmara do
relatório do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) sobre as chamadas dez
medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal. Em
sua versão atual, o pacote foi expurgado de alguns exageros
persecutórios.
Enquanto isso, no Senado, ganha apoio explícito do presidente da Casa,
Renan Calheiros (PMDB-AL), projeto destinado a coibir abusos de poder
por parte de autoridades judiciais. Sem dúvida, há sinais e exemplos
suficientes, na Lava Jato, para tornar importante uma discussão sobre o
tema.
Importância não se confunde, entretanto, com urgência e oportunidade.
São plausíveis as avaliações de que, no momento, a proposição da matéria
mal disfarça a intenção de intimidar as investigações —que incidem em
especial sobre o próprio Renan Calheiros.
Entre as propostas sobre abusos de poder, consta a que caracteriza como
crime de responsabilidade a "falta de decoro" em magistrados, prevendo
para tal comportamento —tão difícil de definir— a drástica punição de
perda do cargo.
É preciso separar o que pode ser visto como conluio pela impunidade do
que configura um necessário limite para as tentações policialescas dos
investigadores, parte deles inebriada pelo clamor popular.
A vigilância da opinião pública deve exercer-se sobre os dois lados do
debate –ainda que, dada sua facilidade para manobrar nas sombras, os
beneficiários da corrupção no Parlamento despertem, no momento, o mais
aguçado e oportuno foco de atenções.
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