editorial de O Globo
A entrada em fase conclusiva da delação premiada de dirigentes da
Odebrecht — talvez a maior do mundo no universo corporativo, com
implicações nos Estados Unidos e Suíça — colocou o Congresso em
polvorosa, nas últimas 48 horas, e deverá continuar assim pelo menos até
a semana que vem.
O que transcorria nos bastidores em torno de uma arquitetada anistia
para quem usou dinheiro de caixa dois em campanhas explodiu à vista de
todos nos debates em comissão e depois em plenário, na Câmara. A
intenção óbvia é se precaver diante das denúncias que vêm aí de Marcelo
Odebrecht e de dezenas de executivos da empreiteira.
A questão do caixa dois — dinheiro de propina lavado na Justiça
eleitoral ou doação apenas não registrada pelo político e empresa
doadora — merecia um debate sensato, mas infelizmente não é o que
ocorre.
Não bastasse a manobra orwelliana de usarem um conjunto de propostas
anticorrupção, encaminhadas por procuradores, para, por meio de emendas,
favorecer corruptos, tentou-se ontem fazer um adendo tão amplo ao
projeto aprovado em comissão que perdoaria incontáveis crimes
eleitorais. E a imagem do Congresso fica ainda mais arranhada.
À tarde, o próprio juiz Sérgio Moro, da Vara que julga acusados pela
Lava-Jato em primeira instância, divulgou nota para alertar que
“anistiar condutas de corrupção e de lavagem (de dinheiro)” afetaria não
apenas as investigações da operação, “mas a integridade e a
credibilidade, interna e externa, do Estado de Direito e da democracia
brasileira”.
Num movimento em pinça, a Lava-Jato também é atacada pelo flanco no
Senado, por meio do projeto do presidente da Casa, Renan Calheiros
(PMDB-AL), proposto com o objetivo meritório de punir abusos de
autoridade, mas que, na verdade, se trata de um escancarado troco na
força-tarefa que atua a partir de Curitiba por ter investigado e
denunciado o senador ao Supremo.
Renan já enfrenta esta batalha em campo aberto, sem dissimulações,
porque ele próprio trabalhou para que o projeto seja apreciado em regime
de urgência. Parece partir para o tudo ou nada, como demonstram alguns
deputados.
Mais sugestivo ainda é o fato de a presidente do STF, Cármen Lúcia, ter
agendado para quinta que vem o julgamento de processo em que o senador
pode ser convertido em réu — o caso do uso ilegal de dinheiro de
empreiteira para pagar pensão a uma filha tida fora do casamento.
Nesta hipótese, Renan deverá ser afastado da presidência da Casa, tão
logo o ministro Dias Toffoli libere do pedido de vista processo já
decidido a favor da retirada de réus da linha sucessória do presidente
da República.
As duas corridas contra o relógio, na Câmara e no Senado, podem também
terminar em consultas ao Supremo. E que assim seja, em nome do princípio
constitucional de que todos são iguais perante a Lei.
extraídaderota2014blogspot
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