editorial de O Globo
A crise fiscal espalha dificuldades pela Federação e atrai as atenções
para a composição dos gastos públicos. Com isso, projeta luz sobre
sérias disparidades nas folhas de pagamento do funcionalismo.
Nada que já não se soubesse sobre altos salários no Executivo, no
Legislativo e no Ministério Público, na contramão da realidade de um
país de renda média, com grandes bolsões de pobreza, enormes
desigualdades sociais, tudo sob um Estado quebrado. A novidade está nas
avantajadas cifras em si. A estabilidade do funcionalismo público e a
irredutibilidade de qualquer remuneração mantêm tudo como está, mesmo na
mais grave crise fiscal jamais registrada.
A abertura dessas folhas salariais confirma que o teto do servidor,
definido pela Constituição como o salário de ministro do Supremo (R$
33.763), é mesmo letra morta. Ele é rompido em todos os cantos da
máquina burocrática, sempre por meio de artifícios, nomenclaturas
bizarras para disfarçar salário na forma dos mais diversos tipos de
adicionais, maneira de colocá-los fora do alcance do teto
constitucional.
Reportagem do GLOBO constatou que 89,18% dos juízes no âmbito federal
ganham mais que os R$ 33.763, estando na mesma situação 76,48% dos
magistrados que atuam no nível estadual.
No Rio de Janeiro — estado em péssima situação fiscal, ao lado do Rio
Grande do Sul —, 98,5% dos juízes recebem acima do teto. O quadro se
repete no Ministério Público local: 98,12% dos procuradores e promotores
são beneficiados da mesma maneira.
A desobediência ao teto legal é disseminada: Defensoria Pública,
Legislativo, Tribunal de Contas. Há, ainda, mecanismos corporativos que
inflam os salários. Associações de magistrados encaminham reclamações a
Cortes superiores nas quais costumam sair vencedoras, tipo tabelinha num
jogo de cartas marcadas. Brinca-se dizendo que um fim de semana de sol
em Brasília custa bilhões ao Tesouro, porque pessoas graduadas dos três
poderes se reúnem em churrascos e trocam ideias sobre como se obter
vantagens, sempre pelas vias legais.
Um ponto-chave neste campo, no Judiciário, é a Lei Orgânica da
Magistratura Nacional (Loman), em vigor desde 1979. Cabe ao Supremo
propor sua atualização, tema há tempos em tramitação na Corte. Não se
sabe se a recém-empossada presidente do STF, Cármen Lúcia, aceitaria
adicionar mais esta missão ao peso da agenda de julgamentos que já
administra. É a Loman que fixa uma série de privilégios para a
magistratura. Uma delas, férias de dois meses. Seria um aceno positivo
para a sociedade adequar esta lei à realidade do país.
E não só ela. A quebra do Estado brasileiro desvenda segmentos da
máquina burocrática que parecem viver em outra dimensão, a salvo de
dissabores que pressionam a grande maioria dos brasileiros. Mas a crise é
tão grave que ameaça invadir este mundo paralelo.
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