Fernão Lara Mesquita: Publicado no Vespeiro.com
Um monte de gente nas redes sociais e até na imprensa profissional,
sempre a reboque dos acontecimentos o que é parte constitutiva desta
crise, comemora a prisão de dois ex-governadores do Rio de Janeiro em
menos de 24 horas como um sinal de que, “agora sim, o país está mudando”.
Pra mim pareceu o contrário. Porque agora? Porque só esses dois da
longa fila dos acusados no STF que nunca andou? Porque de forma tão
arbitrária e espetacular? Não seria, exatamente, porque os 4,2 milhões
de brasileiros a quem a lei concede os privilégios que o resto do país
inteiro somado não consegue mais pagar resistem furiosamente a entregar
ao menos os anéis?
Culpas
e culpados há de sobra por aí. O que não dá é pra desmisturar esse
episódio da batalha da Assembléia Legislativa do Rio da qual o destino
fez protagonista Luiz Fernando Pezão, a criatura de Sérgio Cabral, que
inauguraria a fase “quente” da guerra entre o Brasil que mama e
o Brasil que é mamado, nem da luta cada vez menos surda entre os
poderes Judiciário e Legislativo para, no meio desse tiroteio, manter
seus privilégios e prerrogativas “especiais”.
Foi a luta contra a corrupção que trouxe o processo à tona, mas a
crise do Estado brasileiro é muito maior que a parte dela que pode ser
explicada pela roubalheira. Dotar a nação de leis à altura do desafio de
controlar esse foco de infecção é uma etapa obrigatória mas o fato é
que essa roubalheira toda, por gigantesca que tenha sido, como de fato
foi, não quebra um país do tamanho do Brasil. O que nos está matando
mesmo são os meios legal e constitucionalmente garantidos de que a casta
que se apropriou do Estado se foi armando para colocar-se acima da lei e
viver às custas do resto da nação.
Da longa rodada de abusos patrocinados pelo PT o pior foi multiplicar
na União e fazer multiplicar nos estados e municípios o número de
funcionários e o valor dos seus salários. Os funcionários para efeito de
custo, como se sabe, são eternos. Ao longo desses 10 anos de tiroteio
cerrado desde o “mensalão”, essa conta exponencial vem sendo
paga por uma economia privada cada vez mais imobilizada pelo caos
político. Resultado: mais de 13 milhões de desempregados; 70 milhões de
inadimplentes. É um verdadeiro genocídio. E a cada minuto mais se
acelera o giro no círculo infernal do desemprego = queda de consumo,
arrecadação, e investimento = mais desemprego. Não obstante os salários
públicos, mesmo depois que começaram a deixar de ser pagos, continuam
tendo aumentos!
Abortada a tentativa de acertar a conta pelo único meio que ela pode
ser acertada – o desbaste dos supersalários, das superaposentadorias e
da superlotação das folhas de pagamento por gente que entrou pela porta
dos fundos – os governadores voltam-se para a única alternativa que
resta que é transferir sua massa falida para a União, que tem a
prerrogativa de reabrir a impressão de dinheiro falso para pagar
despesas correntes como acontecia antes do Plano Real.
A tecnologia e a globalização, entretanto, arrancaram o sistema
patrimonialista que se confunde com a nossa história do seu berço
esplêndido. O Brasil Oficial não cabe mais no Brasil Real e os dois
somados não cabem no mundo globalizado. E não existe a hipótese de
sairmos dessa encalacrada sem atacar o problema onde ele de fato está.
Não há mais de quem tirar nada senão de quem nada nunca foi tirado. Já
está acontecendo, aliás, o que põe aliados novos e poderosos nessa luta:
os verdadeiros servidores que já entenderam que só poderão voltar a
receber o que merecem em paz se todos receberem apenas o que merecem.
A solução para essa parte do problema decorre automaticamente, aliás,
da mera exposição dos números à opinião pública. Quanto maior a
indecência do privilégio mais rápido a indignação geral o extingue. Não
cabe ao Legislativo, porém, expor os supersalários do Judiciário e do
Ministério Público nem vice-versa. Muito menos ao Poder Executivo de um
governo interino num país que vem de 300 anos de vícios tolerados onde
exigir ou não o cumprimento da lei pode ser mais uma questão de “vendetta” que de justiça. Isso atira o país numa guerra institucional que pode acabar de matá-lo.
Essa função é da imprensa. É exatamente para isso que ela serve e é definida como o “quarto poder”
de qualquer republica que aspire à sobrevivência. E o fato disso não
ter acontecido ainda mesmo depois que o vaso foi destampado pelo Senado é
nada menos que escandaloso.
Já o tratamento do problema maior consiste em criminalizar o
privilégio. É essa a receita universalmente consagrada que se
materializa tecnicamente na imposição da igualdade perante a lei.
Revisada por esse filtro, restaria da Constituição brasileira somente o
que há nela de apropriado a uma Constituição que é aquilo que vale para
todo mundo, e dos salários públicos apenas o que é justo pagar por eles,
descontados o mesmo imposto de renda e a mesma contribuição à
Previdência que eles cobram de nós outros.
A corrupção que todos dizem querer combater tem a força que tem
porque o que se compra com ela é o poder de outorgar a exceção à lei; o
poder divino de resgatar pobres almas do inferno da competição global
para a estabilidade eterna no emprego e os aumentos de salário por
decurso de prazo que os “concurseiros” buscam como ao Santo
Graal. Nem um exército inteiro de juízes e promotores imbuídos da mais
santa das iras conseguirá por a corrupção sob controle se continuar
existindo a possibilidade de comprar e exercer com ela esse poder
divino. Haverá sempre mais juízes e promotores do que eles que, em
agradecimento às graças recebidas – que serão sempre as maiores de todas
posto que é deles o poder de deixar ou não rolar a farra – cuidarão de
dar vida longa ao dono de turno dessa cornucópia.
O único final feliz para a guerra entre o Judiciário e o Legislativo
seria, portanto, que o último supersalário morresse sobre o cadáver do
último foro especial, o que permitiria ao Brasil passar a tratar seus
servidores com a mesma intransigência com que eles o tratam hoje.
extraídadecolunadeaugustonunesopiniãoveja
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