O Estado de São Paulo Ali Mazloum
A exemplo do que ocorreu com a Lei da Ficha Limpa, as “dez medidas
contra a corrupção” propostas pelo Ministério Público Federal
tornaram-se Projeto de Lei de Iniciativa Popular (PL 4850/16).
Eventual inserção de corpo estranho ao projeto legislativo para anistiar crimes, ou perdoar criminosos, consubstanciaria inegável distorção da vontade popular. Mutilaria sua finalidade, o escopo de combater a impunidade.
A probidade e moralidade, enquanto princípios constitucionais, seriam violados. Tamanho despautério afrontaria o exercício da soberania popular (Artigo 14, inciso III, da Constituição Federal). A pretensão, enfim, não resistiria ao controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário.
A questão é simples. Porém, a desinformação tem governado o debate em torno do aludido PL. Propala-se que o Congresso Nacional, ao criminalizar o chamado “caixa 2”, estaria instituindo uma espécie de anistia para fatos passados, atingindo, com isso, a higidez da operação Lava Jato.
Nada mais equivocado! Há evidente interpretação errônea a respeito, sabido que não se pode perdoar o que antes não era pecado.
A nova lei rege o futuro, não abrindo “brechas” para anistiar fatos assemelhados praticados antes de sua entrada em vigor.
Cumpre assinalar que à falta de dispositivo penal expresso, a utilização de recursos não declarados tem atraído, dentre outros, o artigo 350 da Lei nº 4.737 de 15 de Julho de 1965 (Código Eleitoral). Neste, disciplina-se como crime a conduta de falsear a verdade em documento público ou particular, mediante ação ou omissão, para fins eleitorais. A pena é de até cinco anos de reclusão.
O PL transforma o “caixa 2” em crime, alterando-se a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei Eleitoral), para acrescentar artigo do seguinte teor: “manter, movimentar ou utilizar qualquer recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral: Pena – Reclusão, de dois a cinco anos. Observe-se que a pena tem o mesmo teto.
O pomo da discórdia, portanto, nada tem de técnico, devendo-se à crendice, repita-se, de que a institucionalização de nova figura típica importaria perdão para fatos pretéritos. Isso nada tem que ver com a figura da anistia, conforme inadvertidamente tem-se difundido.
Anistia significa esquecimento de certa infração penal. Juridicamente, é como se o fato deixasse de existir, ficando extinta a punibilidade do agente (Artigo 107, inciso II, do Código Penal).
Através desse instituto constitucional, o Estado, que detém o direito de punir, confere clemência, perdoa a prática de determinadas infrações penais (incide sobre fatos, não pessoas). Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, conceder anistia (Artigo 48 da Constituição Federal).
De outro giro, uma vez aprovada a lei, o novo crime não poderá alcançar fatos pretéritos. É da essência do Estado de Direito democrático a irretroatividade da lei penal. O artigo 5º de nossa Carta Política, em seu inciso XL, é claro: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
Impende observar que a criminalização do “caixa 2” não impede a aplicação de outras normas circundantes para reprimir essa deletéria prática eleitoral, com relação a fatos pretéritos, conforme acima indicado (artigo 350 do Código Eleitoral).
De conseguinte, com a nova lei pode-se ter um conflito aparente de normas penais quanto aos fatos passados e causas em andamento. E, neste ponto, torna-se necessário saber qual a norma aplicável ao caso, se aquela vigente à época da prática do crime, ou a nova.
Em uma situação normal a lei penal vigente à época do fato delituoso é a que deve embasar o julgamento e a execução penal do agente (tempus regit actum). Neste sentido, a determinação do momento da prática do crime é regido pela Teoria da Atividade, pela qual considera-se momento do crime quando o agente realizou a conduta (ação ou a omissão), independentemente do momento do resultado, se diverso (artigo 4º do Código Penal).
Para resolver casos de sucessão de leis, basta observar um único critério: aplica-se a regra penal mais benéfica ao acusado, na forma retroativa ou ultra-ativa. A lei penal mais favorável projeta-se para o futuro ou para o passado. Se a lei nova for mais benigna, incidirá ao fato pretérito; se desfavorável, então será a regra antiga a aplicável.
Discussões estéreis têm pautado a votação de importantes projetos legislativos, situação que tem criado insegurança jurídica. Do mesmo modo, a afluência de denuncismos arbitrários, sem processo, sem provas, sem julgamento, também não podem continuar a gerar instabilidades institucionais. É preciso seguir em frente, sem devaneios, para o bem do Brasil.
Eventual inserção de corpo estranho ao projeto legislativo para anistiar crimes, ou perdoar criminosos, consubstanciaria inegável distorção da vontade popular. Mutilaria sua finalidade, o escopo de combater a impunidade.
A probidade e moralidade, enquanto princípios constitucionais, seriam violados. Tamanho despautério afrontaria o exercício da soberania popular (Artigo 14, inciso III, da Constituição Federal). A pretensão, enfim, não resistiria ao controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário.
A questão é simples. Porém, a desinformação tem governado o debate em torno do aludido PL. Propala-se que o Congresso Nacional, ao criminalizar o chamado “caixa 2”, estaria instituindo uma espécie de anistia para fatos passados, atingindo, com isso, a higidez da operação Lava Jato.
Nada mais equivocado! Há evidente interpretação errônea a respeito, sabido que não se pode perdoar o que antes não era pecado.
A nova lei rege o futuro, não abrindo “brechas” para anistiar fatos assemelhados praticados antes de sua entrada em vigor.
Cumpre assinalar que à falta de dispositivo penal expresso, a utilização de recursos não declarados tem atraído, dentre outros, o artigo 350 da Lei nº 4.737 de 15 de Julho de 1965 (Código Eleitoral). Neste, disciplina-se como crime a conduta de falsear a verdade em documento público ou particular, mediante ação ou omissão, para fins eleitorais. A pena é de até cinco anos de reclusão.
O PL transforma o “caixa 2” em crime, alterando-se a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei Eleitoral), para acrescentar artigo do seguinte teor: “manter, movimentar ou utilizar qualquer recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral: Pena – Reclusão, de dois a cinco anos. Observe-se que a pena tem o mesmo teto.
O pomo da discórdia, portanto, nada tem de técnico, devendo-se à crendice, repita-se, de que a institucionalização de nova figura típica importaria perdão para fatos pretéritos. Isso nada tem que ver com a figura da anistia, conforme inadvertidamente tem-se difundido.
Anistia significa esquecimento de certa infração penal. Juridicamente, é como se o fato deixasse de existir, ficando extinta a punibilidade do agente (Artigo 107, inciso II, do Código Penal).
Através desse instituto constitucional, o Estado, que detém o direito de punir, confere clemência, perdoa a prática de determinadas infrações penais (incide sobre fatos, não pessoas). Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, conceder anistia (Artigo 48 da Constituição Federal).
De outro giro, uma vez aprovada a lei, o novo crime não poderá alcançar fatos pretéritos. É da essência do Estado de Direito democrático a irretroatividade da lei penal. O artigo 5º de nossa Carta Política, em seu inciso XL, é claro: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
Impende observar que a criminalização do “caixa 2” não impede a aplicação de outras normas circundantes para reprimir essa deletéria prática eleitoral, com relação a fatos pretéritos, conforme acima indicado (artigo 350 do Código Eleitoral).
De conseguinte, com a nova lei pode-se ter um conflito aparente de normas penais quanto aos fatos passados e causas em andamento. E, neste ponto, torna-se necessário saber qual a norma aplicável ao caso, se aquela vigente à época da prática do crime, ou a nova.
Em uma situação normal a lei penal vigente à época do fato delituoso é a que deve embasar o julgamento e a execução penal do agente (tempus regit actum). Neste sentido, a determinação do momento da prática do crime é regido pela Teoria da Atividade, pela qual considera-se momento do crime quando o agente realizou a conduta (ação ou a omissão), independentemente do momento do resultado, se diverso (artigo 4º do Código Penal).
Para resolver casos de sucessão de leis, basta observar um único critério: aplica-se a regra penal mais benéfica ao acusado, na forma retroativa ou ultra-ativa. A lei penal mais favorável projeta-se para o futuro ou para o passado. Se a lei nova for mais benigna, incidirá ao fato pretérito; se desfavorável, então será a regra antiga a aplicável.
Discussões estéreis têm pautado a votação de importantes projetos legislativos, situação que tem criado insegurança jurídica. Do mesmo modo, a afluência de denuncismos arbitrários, sem processo, sem provas, sem julgamento, também não podem continuar a gerar instabilidades institucionais. É preciso seguir em frente, sem devaneios, para o bem do Brasil.
*Por Ali Mazloum, juiz federal em São Paulo, Mestre em Ciências
Jurídico-criminais, especialista em Direito Penal, pós-graduado em
gestão pelo Insper, professor de Direito Constitucional
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