, editorial do Estadão
Pautada pelo princípio da moralidade na administração pública, a Constituição de 1988 estabeleceu a regra para definição do teto salarial do funcionalismo público no artigo 37, inciso XI, que determina o subsídio pago mensalmente aos ministros do Supremo Tribunal Federal – hoje fixado em R$ 33.763,00 – como valor-limite para remuneração de todas as demais categorias dos Três Poderes da República. Apesar do propósito que animou o legislador constituinte, tal norma é letra morta desde sua edição, mais uma a compor o esdrúxulo rol de leis que “não pegam” no País. Jamais foi respeitada. Seja pelo emaranhado de leis que compõem o complexo ordenamento jurídico brasileiro, e que dá azo às mais criativas interpretações, seja pela ineficiência da fiscalização pelos órgãos de controle, milhares de funcionários públicos, hoje, recebem vencimentos muito acima do teto legal. De ascensoristas da Câmara dos Deputados e do Senado a professores de universidades federais, juízes e promotores, a farra imoral dos supersalários, que afronta não apenas o Orçamento, mas a decência dos contribuintes, não é prerrogativa de uma categoria ou de um Poder.
Mirando nestas distorções – mas certamente não apenas nelas –, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), instalou a Comissão Especial do Extrateto no último dia 9. Presidida pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) e tendo como relatora a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), o colegiado deverá realizar um amplo levantamento dos servidores que recebem vencimentos acima do teto constitucional e, ao final, apresentar uma nova proposta de regulamentação dos vencimentos do serviço público, tratando, ainda, do efeito cascata que tanto compromete os orçamentos nas esferas estadual e municipal.
O momento de instalação da Comissão Especial do Extrateto por Renan Calheiros lança dúvidas sobre sua real intenção. A medida foi recebida como mais uma manobra do senador em sua estratégia de confronto com o Poder Judiciário e o Ministério Público, tendo-se em vista o avanço das investigações da Operação Lava Jato sobre o Congresso, notadamente sobre os políticos do PMDB. Seja qual for o intento do presidente do Senado, fato é que o bom termo do trabalho da Comissão é de interesse público. A questão dos supersalários do funcionalismo é uma excrescência que precisa ser combatida de uma vez por todas em nome da saúde financeira da União, dos Estados e dos municípios e, sobretudo, para resgatar a fé dos brasileiros em algum grau de moralidade no exercício da função pública. A situação de penúria financeira por que passam os Estados torna a revisão dos supersalários ainda mais premente. Com que legitimidade governadores pedirão o sacrifício da população quando uma casta de servidores paira nababescamente sobre as angústias do cidadão comum?
É alvissareira a receptividade que teve a Comissão Especial do Extrateto nas visitas que fez às cúpulas dos Poderes Executivo e Judiciário. Apesar da resistência dos Tribunais de Justiça estaduais, onde as distorções estão mais presentes, e das associações de juízes, como a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), os presidentes dos tribunais superiores deram aval ao levantamento dos salários de juízes e servidores da Justiça em reunião com os membros da Comissão. Além do encontro com a cúpula do Judiciário, os senadores também foram recebidos pelo presidente Michel Temer, que demonstrou apoio à iniciativa do Senado e colocou a estrutura do Ministério do Planejamento à disposição da Comissão para auxiliar na coleta e análise de dados.
Além do mapeamento dos supersalários, a Comissão Especial do Extrateto tem a oportunidade de rever o mecanismo que permite a vinculação do subsídio dos ministros de tribunais superiores aos demais servidores do Judiciário e do Ministério Público, um efeito cascata que compromete irracionalmente o já deficitário orçamento dos Estados. A regulamentação de benefícios como auxílio-moradia e outras indenizações que inflam os salários para muito além do teto também deve nortear o trabalho dos senadores. É salutar para o Brasil o enfrentamento da questão dos supersalários e o bom andamento do trabalho da Comissão Especial. É hora de o interesse público, enfim, se sobrepor aos interesses corporativos.
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