Valentina de Botas:
Juízes, alguns que chegam a receber duzentos mil por mês de salário, quase cinco vezes o teto estabelecido por lei, patrocinam a tese de que discutir o cumprimento dessa lei é uma retaliação de Renan 12 processos Calheiros. O presidente do Senado não teria moral ou estaria retaliando o Judiciário porque… por quê? Porque o personagem emblemático do descumprimento da lei tem processos que esse mesmo judiciário não julga nunca. Ora, não eram essas as mesmas razões brandidas contra o impeachment quando Eduardo Cunha, como presidente da Câmara, recepcionou o respectivo processo? Eram. Não, Cunha não tinha moral; sim, era uma retaliação dele. E daí? Também a ré Gleisi Hoffmann disse que o Congresso não tem moral para julgar a presidente.
Nada disso anula as obrigações institucionais dos envolvidos estabelecidas em lei cujo descumprimento por uma picada aberta pela imoralidade de quem a aplica é que desestabilizaria um país. Ah, mas não é hora. Sei. Um país onde lei tem hora permanecerá nesse teorema insolúvel em que iniquidades mútuas ensejam impunidades recíprocas.
Baderneiros que vandalizam e depredam a UnB a transformaram no QG da resistência à PEC 241. Não apenas está cassado o direito dos estudantes que querem estudar e dos professores que querem trabalhar, mas também processos administrativos importantes como a avaliação de concessão de bolsas estão parados porque invasores acham que podem agir segundo as leis do próprio desejo e solidificam a certeza de que, no Brasil, não precisa estudar para ser estudante.
No outro extremo da cretinice ideológica, uma choldra ignorante que confundiu a bandeira do Japão com um símbolo comunista invadiu a Câmara Federal, invocando o nome do juiz Sérgio Moro e um general redentor, sem diferenciar o estado de direito democrático que um representa e a abolição desse mesmo estado que o outro estabelece. A CUT e congêneres, que sustentaram a pilhagem contra o Estado do Rio, invadiram a Alerj para protestar contra o pacote que tenta lidar com as consequências avassaladoras da pilhagem. Michel Temer tem de saber que instabilidade é essa topografia.
Foi a um jantar organizado por correligionários na campanha para a Câmara Federal e, então, ele a vê. Ela estava com a mãe. Ele se elege, ela o felicita enviando-lhe um cartão que foi para o endereço errado que – ah, destino, seu danado! – só por isso o alcançou. Ele telefona para agradecer. Em sete meses se casariam. Isso que é objetividade, e se é amor, invade e fim.
Ouvimos essa história de amor, encantadora e brega como toda história de amor que preste, da boca do próprio presidente da república no Roda Viva. Sei que já faz tempo, que estou atrasada e tal, mas, se a pressa é inimiga da perfeição, consigo ser lenta sem ser perfeita e estava ocupada procurando meu CD do Leonard Cohen de que só achei a capa. Michel Temer contava como conheceu a bela e recatada Marcela para fazê-la do lar.
Apresentou-se na entrevista cordato, bem-humorado, sem metáforas ou comparações disparatadas, em frases nas quais semântica e sintaxe se encontravam sem trombadas. Quanto à flor do Lácio, não chegou a ser o esplendor, mas também não foi sepultura. Pode ser muito para um país que há apenas 6 meses era aviltado também pelo dilmês.
Só que muito não é o suficiente para um país sedento por lei, por ver na cadeia ladrões e o chefe deles que, livre, continua nos roubando a institucionalidade e esfregando isso na nossa cara quando desacata Sérgio Moro e difama o país. Com a declaração de Temer, Lula vai acabar fugindo: fugirá para o Brasil, o estranho país onde lei tem hora. Que se cumpra a lei: quando lhe foi perguntado sobre a prisão de Lula, o presidente poderia ter usado essas cinco palavras para saudar o Brasil que referendou simbolicamente o impeachment nas urnas. Mas o presidente preferiu saudar os truculentos pastores da vigarice que ameaçam convulsionar o país caso o líder deles seja preso.
O blefe dos incapazes capazes de tudo por boquinhas e tetas vem desde pouco antes da instauração do processo de impeachment e tudo o que vimos foi um bando de mortadelas desfalcado incendiar pneus e avermelhar uma avenida ou outra do país quase sempre terminando em vandalismo, além de artistas-e-intelectuais entoarem o mantra infértil do golpe.
Milhões foram às ruas, de forma tão pacífica quanto resoluta, exigir o cumprimento da lei com a destituição de Dilma Rousseff que a descumpria; rejeitamos radicalismos e vandalismo; apoiamos a posse de Temer porque representava o remédio constitucional e a normalidade institucional num país exaurido por 13 anos de governos à margem da lei, num enraizado governo de gângsteres. O mínimo que merecíamos é que o presidente invocasse o cumprimento da lei, não precisava nem dizer se era contra ou a favor da prisão. Mas o comandante em chefe das Forças Armadas, a quem a Constituição reconhece instrumentos e a obrigação de zelar pela estabilidade nacional, receia por ela. Por algo mais?
O respaldo e as expectativas dos milhões de brasileiros decentes que não mereciam ouvir isso não contam, conta o bando a quem basta cortar o financiamento da mortadela e da boa vida. O país estará sujeito à instabilidade enquanto o líder do gangsterismo de Estado estiver solto inspirando o vale-tudo em nome de uma porcaria qualquer apelidada de progressista ou resistência; a liberdade dele inspira instabilidade, infla os desejos das hordas radicais que os colocam acima da lei.
Desejo perder 3 quilos e achar o CD do Cohen, desejo que o amor invada e fim. E que a lei se cumpra, está na hora.
extraídadecolunadeaugustonunesfeiralivreveja
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