Valentina de Botas: com A COLUNA DE AUGUSTO NUNES VEJA
Preciso de um pouco de barulho para me concentrar, o silêncio me faz
ouvir coisas; é combustível para a imaginação, veículo possante que me
leva para longe do agora. Trabalhando na revisão ou na tradução de um
texto, abro a janela para as polifonias do mundo ou ouço música. Também
para missões domésticas: lavar a louça, por exemplo, ao som do “Coro dos
Escravos” do “Nabucodonosor” de Verdi; ou Luiz Gonzaga cantando “Assum
Preto” é o barulhinho perfeito para refazer a barra da calça do uniforme
escolar da minha filha. Senão, perco o foco.
Sugiro ao meu querido amigo Oliver que leia como piada o artigo que ele
cita. Vou me repetir porque as circunstâncias se repetem: nenhum defeito
do PSDB o iguala ao PT pela razão bastante de nada se igualar a uma
anomalia; nenhum erro de FHC o equipara a Lula porque o caudilho é uma
desgraça singular. Oliver os difere apenas pela rapidez maior e
escrúpulo menor dos petistas. Então, os objetivos dos tucanos são os
mesmos: perpetuarem-se no poder e, de quebra, enriquecer a tigrada?
Ainda que não tivesse sido o melhor presidente que tivemos, o que já
começa a soar como uma acusação, FHC é um homem de caráter; Lula, não.
No que isso resulta para o país? Para uma resposta possível, convido os
leitores, que acusam em FCH um Lula letrado, a contemplarem o Brasil que
aquele entregou a este e o Brasil de hoje. Quanto ao primeiro, nem me
refiro à revolução socioeconômica do Real, mas somente ao caráter que o
governante imprime ao governo.
No ambiente moral da era FHC, um Procurador-Geral da República não
deixaria de cumprimentar o Presidente da Câmara como fez Rodrigo Janot
com Eduardo Cunha; parlamentares não vaiariam a Presidente da República
no Congresso como aconteceu recentemente, mas, depois da fala dela,
tomariam a palavra e confrontariam a governante na tribuna; um
vice-presidente da Câmara não desacataria o Presidente do STF como fez
André Vargas ao Ministro Joaquim Barbosa há dois anos. E essa
desinstitucionalização do país não se desdobraria na abjeção dos blogs
estatizados, na patrulha ideológica, na radicalização e rarefação de
argumentos no debate.
O artigo que nosso Oliver cita amputou esse caráter para, no lugar,
enxertar o “cinismo ideológico de FHC”. Tendo FHC governado com
dignidade e competência nas circunstâncias dadas, e daí que seja
socialista? Essa intolerância desvia o foco do que realmente infelicita o
país e despreza o fato de que erros e acertos habitam entre socialistas
e não socialistas. Sem socialistas – se modernos, democratas,
competentes e honestos – o que fazer de uma democracia reduzida a um só
nicho ideológico?
Além disso, não é a aproximação ideológica que leva FHC a ainda
constatar em Lula ou no PT alguma legitimidade, mas, talvez, a índole
conciliatória do democrata que, de certo modo compungido diante do
estilhaçamento de uma ex-liderança, teria a mesma atitude com qualquer
outro símbolo caído em desgraça. Discordo vivamente de FHC sem
rebaixá-lo a integrante da súcia e, para evitar que o silêncio do
imperdoavelmente omisso PSDB me tire do foco, sonorizo tudo com a
polifonia lúcida na permeabilidade dos contrários, lendo e ouvindo quem
me ajuda a me concentrar no agora: combater os inigualáveis
lulopetistas.
extraídaderota2014blogspot
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