Revista IstoÉ revela como Lula será investigado pela PGR
Conheça a estratégia dos procuradores da República para apurar o suposto envolvimento do ex-presidente com a quadrilha do mensalão. Quais serão as primeiras contas rastreadas e como o governo e o PT preparam a reação
Dois anos depois de deixar o Palácio do Planalto, aclamado como um dos
presidentes mais populares do País, Lula se depara com o constrangimento
de ser alvo de investigação cujo processo correrá na primeira instância
da Justiça Federal. ...
As recentes acusações de Marcos Valério, de que o esquema do mensalão
teria ajudado a bancar despesas pessoais do ex-presidente em 2003,
motivaram, nos últimos dias, a realização de uma série de reuniões entre
o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, subprocuradores e pelo
menos quatro ministros do STF, entre eles o presidente do Tribunal,
ministro Joaquim Barbosa.
Nos encontros, ficou acertado que, logo depois do julgamento do
mensalão, Gurgel irá pedir a abertura de um novo inquérito para apurar
as denúncias de Valério que supostamente envolveriam diretamente o
ex-presidente.
Em depoimento à Procuradoria-Geral da República prestado no dia 24 de
setembro, Valério disse que depositou, por intermédio de suas empresas
de publicidade, cerca de R$ 100 mil na conta da empresa do ex-assessor
da Presidência Freud Godoy. Segundo Valério, os recursos seriam
destinados a custear gastos particulares do então presidente.
Gurgel se diz muito irritado com o vazamento do depoimento de Valério,
colhido por sua esposa e pela procuradora Raquel Branquinho, pois isso
acabou criando um ambiente de pressão sobre o MP. Mesmo assim, Gurgel
entende que a Procuradoria será obrigada a aprofundar as investigações
sobre Freud Godoy, uma espécie de faz tudo de Lula, sob risco de
prevaricação.
Ainda há dúvidas se o inquérito será aberto logo após a aplicação das
penas ou depois de transitado em julgado o processo do mensalão. Mas,
por temer que a Procuradoria possa ser usada por Marcos Valério para
chantagens políticas ou para benefício próprio, Gurgel e os
subprocuradores definiram que o melhor caminho é mesmo uma nova
investigação.
Em conversas com subprocuradores e ministros do STF, na última semana,
ISTOÉ obteve informações sobre a estratégia dos procuradores da
República para apurar o suposto envolvimento de Lula com o mensalão e
qual será o caminho da investigação.
O primeiro passo será designar um procurador para ficar responsável
pelo caso. Já se sabe que as primeiras contas rastreadas serão as das
empresas em nome de Freud Godoy, como a Caso Sistemas de Segurança e a
Caso Comércio e Serviços Ltda. Num primeiro momento, porém, a
Procuradoria não vai ouvir nenhum depoimento.
Nessa fase inicial do inquérito, caberá ao procurador reunir, com base
nas apurações já feitas pelos Legislativos e Judiciários estaduais, o
maior número de documentos já produzidos nas investigações sobre Marcos
Valério. Além de fazer um pente-fino sobre o que já foi investigado, o
procurador escalado para o caso terá a tarefa de buscar os elos entre
Valério e o ex-assessor Freud Godoy.
A CPI dos Correios, instalada em 2005 no Congresso na esteira do
escândalo do mensalão, será uma das fontes de informação deste novo
inquérito. Na CPI, poderão ser encontrados depoimentos do próprio Freud
Godoy e notas fiscais emitidas por suas empresas entre 2003 e 2006. (…)
Em 24 de setembro, além das denúncias contra Lula, Valério encaminhou
alguns documentos à Procuradoria da República, mas eles pouco contribuem
para a futura investigação e não mostraram nada de novo aos
procuradores. Entre os documentos está a cópia de um depósito de R$ 98
mil feito para a empresa de Freud Godoy, que, segundo Valério, pagaria
as despesas pessoais do ex-presidente.
O depósito efetivamente ocorreu, mas os procuradores já sabiam disso,
pois tal fato foi levantado durante da CPI dos Correios. Agora, o novo
inquérito irá detalhar esse caso. O procurador tentará descobrir o
caminho percorrido por esse dinheiro depois de creditado na conta da
empresa de Freud. A versão de Godoy é de que o dinheiro – cerca de R$
100 mil – teria sido usado para bancar gastos relativos à segurança
durante a posse de Lula.
Os procuradores também pretendem anexar ao novo inquérito a
investigação já realizada pelo MP de Santo André envolvendo a compra do
jornal “Diário do Grande ABC” pelo empresário Ronan Maria Pinto. No
depoimento à Procuradoria-Geral da República, Valério afirmou que o PT
teria pedido a ele R$ 6 milhões para que Ronan parasse de chantagear o
ex-presidente Lula, o então secretário da Presidência Gilberto Carvalho e
o ex-ministro José Dirceu. Por trás das ameaças estaria a morte do
prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), executado em janeiro de
2002.
Para o MP de Santo André, existem fortes suspeitas de que houve lavagem
de dinheiro na aquisição do jornal, segundo indicam documentos em poder
dos procuradores. O modo de operar o esquema seria semelhante ao do
mensalão, com as verbas publicitárias sendo repassadas por meio de
anúncios das empresas de Valério a terceiros.
“Entendo pelo depoimento de Marcos Valério que Ronan fez uma extorsão,
recebeu aquele valor e lavou o dinheiro na compra do jornal”, diz o
promotor criminal de Santo André, Roberto Wider, que promete abrir uma
investigação sobre o caso.
Para Wider, a suspeita de possíveis irregularidades na venda ganha
força porque na época o periódico comprado por Ronan recebeu quase seis
vezes mais verbas publicitárias de estatais do que os jornais paulistas
de circulação nacional. “A suspeita de irregularidade é forte”, garante
Wider.
No campo político, a ordem no PT é tratar o depoimento de Valério como
um gesto desesperado. Para blindar o ex-presidente Lula das acusações,
durante a semana, o Planalto escalou ministros e integrantes do PT. O
argumento repetido à exaustão é de que as denúncias são velhas,
requentadas e o alvo é a imagem e a popularidade de Lula.
De Paris, onde participou do Fórum do Progresso Social, além de afirmar
que não se pronunciaria sobre “mentiras”, o ex-presidente articulou a
reação. Em conversas com Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula,
que também foi alvo das acusações de Valério, o ex-ministro Luiz Dulci e
parlamentares do PT, especulou uma possível candidatura em 2014 e
prometeu reeditar as caravanas da cidadania, com o objetivo de resgatar
sua imagem.
“Encerrados os dois mandatos eletivos de presidente, continuo a fazer
política porque tenho uma crença profunda na humanidade e na capacidade
dos homens e das mulheres em lutar pela justiça”, declarou Lula, já em
Barcelona, onde foi receber um prêmio do governo da Catalunha.
Com a retomada das viagens, que Lula empreendeu pela primeira vez
durante os anos 1990, pretende-se conseguir uma mobilização popular para
manter alta a sua aprovação e fortalecê-lo como cabo eleitoral do PT.
(Sérgio Pardellas, da IstoÉ)
Fonte: Revista IstoÉ -
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