EDITORIAL
O Estado de S.Paulo -
O homem feliz não tinha camisa, segundo uma velha fábula. Se um camponês pode ser feliz sem camisa, não há por que estranhar a alegria do bem vestido ministro da Fazenda, Guido Mantega, no fim de mais um ano de baixo crescimento econômico, inflação elevada, investimento em queda e muitos tropeços na política econômica. Num psicodélico café da manhã com jornalistas, em Brasília, ele se declarou realizado com as "transformações difíceis e profundas" realizadas em 2012. Mais que isso, classificou como um quase milagre o conjunto de façanhas econômicas dos últimos anos.
Quanto a isso, pelo menos, ele está certo. A
economia brasileira cresceu 2,7% em 2011 e a expansão deste ano deve
ficar em torno de 1%, segundo a maior parte das estimativas. O
desempenho nestes dois anos é um evento quase sobrenatural, quando
comparado com o dinamismo exibido por outras economias emergentes da
América Latina e da Ásia. Dificilmente um governo formado por pessoas
sem atributos extraordinários conseguiria exibir resultado semelhante.
Mas não só o Brasil, segundo o ministro, teve em 2012 um crescimento
inferior ao desejado.
O mundo desacelerou,
disse ele, destacando como exemplo o caso da China. Pura verdade. A
economia chinesa deve fechar o ano com um crescimento de uns 7,5%,
enquanto outros países em desenvolvimento devem ter ficado na faixa de
4% a 6% ou pouco mais, embora também sujeitos aos impactos da crise
global.
Outros arroubos de autocongratulação
poderiam causar inveja ao homem sem camisa, deixando-o, talvez, menos
feliz. Errou, segundo Mantega, quem acusou o governo de apenas estimular
o consumo. Sem o incentivo aos consumidores, argumentou o ministro, os
empresários dificilmente investiriam. Mas o investimento diminuiu, como
ele mesmo reconheceu. Não se abateu, no entanto: no próximo ano o valor
investido crescerá e chegará mais perto de 20% do Produto Interno Bruto
(PIB). Em outras palavras: voltará ao nível medíocre de antes da queda.
Mas
o ministro mostrou-se imbatível. As vendas do comércio varejista
cresceram 8% em um ano, como indicou há poucos dias o IBGE. "Qual país
tem 8% de crescimento? Nem a China", respondeu ele mesmo. De novo a
China entrou na comparação, mas um detalhe foi esquecido: o desempenho
da indústria chinesa, uma das mais dinâmicas e competitivas do mundo,
com presença cada vez maior em todos os mercados, incluídos o brasileiro
e o latino-americano.
Além de esmigalhar a
China com suas comparações, o ministro se alongou na descrição das
grandes reformas promovidas pelo governo. Chamou a atenção para o corte
dos juros promovido pelo governo, como se a política de juros baixos,
num país administrado com algum bom senso, fosse independente das
condições dos preços, da situação fiscal e também da evolução das contas
externas. A mesma observação vale para o câmbio. Não é possível
determinar, ao mesmo tempo, a taxa nominal e a taxa real de câmbio. O
presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, parece ter lembrado essa
verdade simples, há poucos dias. A inflação, disse ele, pode levar
embora os ganhos econômicos obtidos com o câmbio.
O
ministro celebrou, enfim, iniciativas por ele descritas como grandes
reformas na área dos impostos. Não há, no entanto, nenhuma reforma
consolidada até agora. A maior parte dos incentivos a setores da
indústria é temporária. Alguns desses incentivos serão prorrogados no
começo do ano. A desoneração da folha de pagamentos é um trabalho
incompleto. Por enquanto, a carga foi transferida da folha para o
faturamento, numa solução muito discutível.
A
única mudança de caráter mais permanente está no projeto de alteração
da alíquota interestadual do ICMS. Pode ser um avanço, mas seu alcance
dependerá de algumas condições. Os governos estaduais serão proibidos de
conceder novos incentivos típicos da guerra fiscal ou ainda terão o
direito, pelo menos em algumas regiões, de usar esse instrumento? Falta,
além disso, criar mecanismos seguros e permanentes de desoneração dos
investimentos e das exportações. Por enquanto, há remendos.
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