Um
novo livro afirma que as primeiras acusações de 50 anos atrás sobre
Mandela ser comunista, ao fim das contas, são verdadeiras.
"Isso
foi escrito em um encontro partidário fechando sem que qualquer um
estivesse preocupado em impressionar ou enganar o público."
Por décadas, esse foi um dos mais duradouros motivos de disputas na frente anti-apartheid sul-africana. Nelson Mandela, o líder do African National Congress (ANC), era realmente um comunista secreto como alegou o então governo branco da época? Ou, como ele reivindicou durante os infames processos de 1963 que o sentenciou à prisão perpétua, era mais uma manobra para desacreditá-lo em um mundo guiado pelas tensões da Guerra Fria?
Agora,
após quase cinquenta anos depois do processo que o tornou o mais bem
conhecido prisioneiro de consciência, um novo livro alega que seja qual
tenha sido a injustiça que se perpetrou, os promotores da era do
apartheid estavam certos pelo menos em uma questão: Mandela, no final
das contas, era um membro do Partido Comunista.
O
ex-presidente sul-africano, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1993,
sempre negou ter sido um membro da filial sul-africana do movimento, que
montou uma guerrilha de resistência armada junto do ANC.
Mas
uma pesquisa do historiador britânico, professor Stephen Ellis,
desenterrou novas evidências de que durante os primeiros anos de
ativismo o Sr. Mandela era do alto escalão do Partido Comunista
Sul-Africano (PCSA). Ele diz que
Mandela entrou para o PCSA para atrair a ajuda das superpotências
comunistas para a campanha armada do ANC contra o governo branco.
O
livro também traz novas evidências detalhadas de como o setor militar
do ANC teve lições de como fazer bombas com o IRA e treinamento de
técnicas de inteligência com a Stasi da Alemanha Oriental; tais técnicas
foram usadas para conduzir interrogatórios brutais com suspeitos de
"espionagem" em prisões secretas.
Como
evidência da afiliação de Mandela ao Partido Comunista, o professor
Ellis cita uma ata de um encontro secreto do PCSA em 1982 descoberta em
uma coleção de documentos privados da Universidade da Cidade do Cabo,
onde um veterano ex-membro, o falecido John Pule Motshabi, fala sobre
Mandela ter sido um membro do partido duas décadas antes.
Nas
atas, Motshabi é citado dizendo: "Há uma acusação de que nos opomos à
entrada de Nelson [Mandela] e Walter (Sisulu, um colega ativista) na
Família (palavra codificada para se referir ao partido)... nós não fomos
informados porque isso estava crescendo após as campanhas de 1950 (uma
série de protestos nas ruas). O recrutamento veio dois anos depois."
Embora
outros membros do PCSA já tenham confirmado a afiliação de Mandela,
muitos desses testemunhos foram dados sob a coação do interrogatório
policial, onde pode ter havido a intenção de incriminá-lo. No entanto,
as atas do encontro do PCSA em 1982, segundo o Professor Ellis, oferecem
provas mais confiáveis. "Isso foi escrito em um encontro partidário
fechando sem que qualquer um estivesse preocupado em impressionar ou
enganar o público", disse o historiador.
Embora
Mandela aparentemente tenha se filiado ao PCSA mais por suas conexões
políticas do que por suas ideias, sua filiação poderia ter causado danos
àquilo que ele defendia perante os olhos do Ocidente caso isso fosse
descoberto enquanto ele ainda lutava contra o apartheid.
A
África foi um campo de batalha para as "guerras por procuração" da
Guerra Fria até o final dos anos 1980; e o suporte internacional para a
causa, que incluiu a campanha Liberte Nelson Mandela, atraiu olhos em
parte por conta de sua figura que não tinha compromissos nem com o
Oriente nem com o Ocidente.
"A
reputação de Mandela é baseada tanto na sua habilidade de superar
animosidades pessoais quanto na sua generosidade para com todos
sul-africanos, fossem negros ou brancos, e isso impressionou o mundo",
disse o professor Ellis, um ex-pesquisador da Anistia Internacional que
fica na Universidade Livre de Amsterdã. "Mas isso mostra que, como
qualquer político, ele estava preparado para fazer alianças
oportunistas".
"Penso que a maioria das pessoas que apoiaram o movimento antiapartheid não queriam conhecê-lo muito a fundo. O apartheid
foi visto como uma questão moral e pronto. Mas se as verdadeiras provas
fossem mostradas naquela época, talvez alguns teriam pensado
diferentemente."
Mandela
negou sua afiliação ao Partido Comunista no depoimento inicial do
processo de Rivonia, onde ele e nove outros membros-líderes do ANC foram
julgados por 221 alegados atos de sabotagem cuja intenção era derrubar o
sistema do apartheid. Os réus também foram acusados de promoverem as metas do comunismo, um movimento que então era ilegal na África do Sul.
Falando
à corte, Mandela declarou "nunca ter sido um membro do Partido
Comunista" e que ele não concordava com o menosprezo que o movimento
tinha pela democracia parlamentar típica do Ocidente.
Ele
acrescentou: "A sugestão feita pelo Estado de que a luta na África do
Sul está sob a influência de estrangeiros ou comunistas está
inteiramente incorreta. O que quer que eu tenha feito foi como indivíduo
e líder do meu povo, tanto por causa da minha experiência na África do
Sul quanto pelo meu orgulhoso passado africano e não por causa de algo
que algum forasteiro tenha dito".
Mandela entrou para o ANC em 1944, quando a liderança ainda se opunha ao confronto armado contra o estado pró-apartheid.
Todavia, no começo dos anos 1950 ele se convenceu que uma guerrilha era
inevitável; perspectiva confirmada pelo massacre de Sharpeville em
março de 1960, quando a polícia abriu fogo contra manifestantes negros
no distrito de Townsvaal matando 69 pessoas.
Mas
mesmo após outros líderes do ANC terem se alinhado ao mesmo modo de
pensar de Mandela após o massacre de Sharpeville, o grupo ainda não
tinha acesso a armamentos ou suporte financeiro. Como alternativa, disse
o professor Ellis, Mandela buscou ajuda com os comunistas — que ele já
tinha contato próximo — por conta de compartilharem da oposição ao apartheid.
"Ele
conheceu e confiou plenamente em muitos ativistas comunistas. Parece
que ele foi cooptado direto para o comitê central sem necessidade de
experiências prévias", disse Ellis. "Mas é justo dizer que ele não era
um convertido; era apenas uma jogada oportunista".
Meses
após Sharpeville, membros do Partido Comunista visitaram secretamente
Beijing e Moscou, onde lhes ficou assegurado suporte para as ações da
guerrilha. Em conjunto com outros membros-líderes do ANC eles montaram
uma organização militar nova e nominalmente independente, conhecida como
Umkhonto we Sizwe ou Lança da Nação. Com Mandela como comandante, a
Umkhonto we Sizwe deu início aos primeiros ataques em 16 de dezembro de
1961.
A
campanha de "sabotagens" e atentados à bomba nas três décadas que se
seguiram levaram a vida de dúzias de civis e fizeram com que a
organização fosse classificada como grupo terrorista pelos Estados
Unidos.
Eu
seu livro, o professor Ellis, que também publicou um livro sobre a
guerra civil na Libéria, trabalha os aspectos mais obscuros do passado
do ANC. Um desses episódios trata-se do treinamento que o ANC recebeu
dos peritos em bomba do IRA em uma base secreta em Angola no final da
década de 1970; Essa ligação foi desvelada ano passado com as memórias
póstumas de Kader Asmal, um político sul-africano de origem indiana que
estava exilado na Irlanda. Ele foi um membro do movimento irlandês
antiapartheid que, segundo o professor Ellis, tinha estreitos laços com
os partidos comunistas da Inglaterra e da África do Sul.
A
tutoria do IRA, que foi alegadamente intermediada em parte pelo líder
do Sinn Féin, Gerry Adams, levou os combatentes do ANC a melhorarem
consideravelmente suas habilidades com bombas graças à perícia do que o
prof. Ellis descreve como o "mais sofisticado grupo de guerrilha urbana
do mundo".
A
Angola também foi base para o "Quatro", um notório centro de detenção
do ANC, onde dezenas de integrantes do próprio movimento eram torturados
e às vezes mortos pelo serviço de segurança interna por serem suspeitos
de espionagem, sendo que alguns deles "mal eram adolescentes". Os
instrutores da Alemanha Oriental ensinaram os agentes de segurança
interna que qualquer um que desafiasse o dogma oficial do ANC deveria
ser visto como um potencial espião ou traidor.
Na
semana passada, um porta-voz da Fundação Nelson Mandela disse: "Não
acreditamos que há provas de que Madiba (o nome de clã de Mandela) era
um membro do partido... As evidências que foram mostradas são
comparativamente fracas em relação às evidências do oposto, além disso,
temos a consistente negação de Madiba por quase 50 anos. É concebível
que Madiba pudesse cometer um deslize em um caso legal, mas não que ele
fizesse um depoimento totalmente falso."
"O
recrutamento e a entrada no partido era um processo que acontecia por
partes durante um período de tempo. É possível que Madiba tenha iniciado
o processo, mas jamais completado. O que está claro é que durante certa
época da luta ele era suficientemente confiável como um líder do ANC a
ponto de participar dos congressos do Partido Comunista. E é provável
que ao comparecer em tais encontros, possa se ter pensado que ele foi um
membro".
Mandela
atualmente está com 94 anos, está fora da vida pública desde 2004 e
está com a saúde debilitada. Ele fez, no entanto, uma alusão a uma
relação simbólica com os comunistas em seu best-seller Longa caminhada até a liberdade.
“Sempre haverá aqueles para dizerem que os comunistas estavam nos
usando”, disse Mandela. “Mas quem disse que nós não estávamos
usando-os?”
Publicado no The Telegraph.
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