Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Defendendo o indefensável

Defendendo o indefensável


Zapeando a televi­são num dia chu­voso me deparei comum apresen­tador de progra­ma de auditório fazendo propaganda de hospi­tais do Sistema Único de Saúde (SUS), do governo federal. Ti­rando a dificuldade de leitura do teleprompter, comum entre os apresentadores no momen­to do merchandising, fiquei pen­sando sobre o significado de uma propaganda oficial que, a meu ver, tentava defender o in­defensável: a excelência na pres­tação de um serviço público, so­bretudo na área da saúde. Embo­ra possa estar enganado, acredi­to que a grande maioria dos bra­sileiros deva considerar, na mé­dia, que a prestação dos servi­ços públicos federais, estaduais e municipais é de baixa qualida­de. Não será uma campanha pu­blicitária, portanto, que vai mu­dar essa opinião - pelo menos é isso que esperamos de contri­buintes racionais. ...

É tentadora a ideia de demonizar campanhas publicitárias ofi­ciais realizadas pelo governo fe­deral. Em geral, quem delas re­clama tem uma orientação ideo­lógica predefinida. Embora eu fique incomodado, como contri­buinte, quando assisto a uma propaganda oficial, sou capaz de entender a máxima do "quem não se comunica se estrumbica". Gomo qualquer or­ganização privada, orientada pa­ra o lucro ou não, não há razão alguma para condenar um ór­gão do Executivo ou uma em­presa estatal pelo fato de fazer propaganda. Até porque ela ge­ra renda e movimenta o merca­do publicitário, grande empre­gador de pessoas e bom fazedor de milionários. É legítimo, por­tanto, que o governo federal fa­ça suas propagandas.

O que me incomodou naque­la propaganda, especificamen­te, foi a sua mensagem. Na reali­dade, ela confirmou uma des­confiança que passei a ter des­de que as propagandas do go­verno Dilma Rousseff começa­ram a ser veiculadas. Parece-me ter havido uma mudança na orientação das propagandas ofi­ciais quando se compara o go­verno atual com a gestão Lula. O governo Lula foi o grande criador da ideia de usar campa­nhas publicitárias como forma de consolidar boa imagem do governo federal, ou de suas em­presas, na cabeça da popula­ção. Antes do governo Lula, embora já se vissem campanhas publicitárias, ainda se usava muito o modelo dos pronuncia­mentos oficiais, os quais eram, e ainda são, solenemente igno­rados pela população.

O governo Lula, no entanto, não se aventurou a usar campa­nhas publicitárias para vender à população a excelência da prestação dos serviços públi­cos. Tratava-se de propagan­das para enfatizar políticas que aquele governo julgava como di­ferenciadas e que deveriam ser mostradas a toda a população, e não somente aos públicos be­neficiados. O governo Dilma, por alguma razão sobre a qual posso apenas especular, deci­diu por fazer propagandas de órgãos do governo federal que orestam serviços à população. E uma estratégia, imagino, de grande risco, do ponto de vista de popularidade, por um lado, mas, mais importante, de credi­bilidade, por outro.

Não tenho a intenção de ela­borar argumentos retrógrados ou explicitamente ideológicos em relação a esse tema. Mas se­rá que é uma boa prática, do pon­to de vista moral, um governo, seja ele qual for, tentar vender via campanha publicitária uma excelência inexistente de um serviço público?

Do jeito que as coisas vão, amanhã poderemos ser obriga­dos a assistir a propaganda do Ministério da Defesa falando maravilhas do nosso serviço de controle de fronteiras, do Minis­tério da Educação bradando as qualidades da nossa educação pública no ensino fundamental, da Infraero ovacionando a gran­de qualidade dos nossos aero­portos, das Polícias Militares dos Estados aplaudindo os ele­vados níveis de segurança coleti­va, da Receita Federal exaltando o Brasil como um país sem buro­cracias e de grande simplicida­de tributária e do Ministério de Minas e Energia garantindo que a política de antecipação das concessões das elétricas não vai ter impacto na geração de ener­gia elétrica no longo prazo.

Numa situação como essa, embora aqui caricaturada, um alienígena que caia no Brasil e opte por conhecer o nosso país somente por intermédio da tele­visão vai enxergar outro país. Provavelmente, vai querer mu­dar-se para cá, porque aqui ele não precisa pagar para ter aces­so à rede privada de saúde, uma vez que o sistema público ofere­ce um serviço de muito melhor qualidade. Pobre alienígena.

A questão da legitimidade de uma ação de mídia pode ser apresentada sob outra perspec­tiva. Pessoalmente, sou favorá­vel às restrições à publicidade de bebidas alcoólicas e cigarros. Embora defenda a ideia de que o consumidor é soberano para decidir o que quer consumir, de drogas a jogos de azar, sei que minha filha de 2 anos não deve ser exposta a programas que não sejam recomendados para pessoas da idade dela. É um cer­ceamento da liberdade indivi­dual, sem dúvida, mas necessá­rio em casos específicos.

Até onde eu saiba, as empre­sas privadas estão sujeitas a res­trições no uso de publicidade, sobretudo porque elas sabem que pagarão caro por inverdades ditas, seja pela marcação da sociedade civil ou por investiga­ção de organismos como o Mi­nistério Público. E quanto ao Es­tado brasileiro?

Quando um governo começa a utilizar campanhas publicitárias para exaltar as qualidades da prestação de um serviço pú­blico que são notoriamente ine­xistentes, sem nenhum cons­trangimento, parece-me que es­tamos criando um problema. Tenho a impressão de que o go­verno brasileiro está fazendo experimentações muito arrisca­das, soltando balões de ensaio em ações específicas, que vi­sam a transformar em certo o que é errado. Essa campanha publicitária do SUS parece ser um caso desses, em que a tênue separação entre certo e errado foi rompida.

Não é correto uma revista es­trangeira pedir a cabeça de um ministro brasileiro. Mas tam­bém não é prometer algo que não se pode entregar. De boas intenções o inferno está cheio.
 
Por André Nassar
Fonte: Jornal Estado de São Paulo

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