Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A flor que Victoria colheu


Dizem que o amor é uma flor delicada e da mais rara beleza, mas que nasceu e desabrochou bem na beira de um abismo, para que quem deseje pegá-la e desfrutar de sua formosura, fragrância e tudo o mais ue representa, tenha que demonstrar muita coragem.

O mundo inteiro chocou-se com o episódio ocorrido no colégio Sandy Hook, em Newtown, no estado americano de Connecticut, quando um psicopata, cujo nome não merece sequer ser mencionado, assassinou a tiros vinte crianças entre cinco e dez anos e seis adultos, incluindo a própria mãe. Imediatamente, a mídia mundial destacou o fato, mas, como sempre acontece nesses momentos de comoção, procurou capitalizar seus próprios interesses, sugerindo que, caso a posse de armas fosse proibida, a tragédia teria sido evitada. O presidente Obama, com seu populismo característico, está também tirando proveito do episódio, já se declarando a favor de mudanças radicais nas leis que regem o porte de armas nos Estados Unidos.
Isso não é verdade, pela mesma razão - para usar uma imagem popular – pela qual a culpa por um aluno ter tirado zero em uma prova não pode ser atribuída ao lápis com que fez a mesma... No triste caso de Newtown, a culpa não foi da arma e nem da legislação, ela foi simplesmente do assassino! Mas não pretendo aqui enveredar pela discussão sobre se o porte de armas deve ser ou não permitido, embora me sinta na obrigação moral de afirmar que qualquer cidadão de bem tem o direito de possuir armas para se defender dos que não são de bem. Aliás, parecem preocupantes as razões que estão por trás dessas frequentes tentativas de desarmamento das pessoas corretas, porque naquele plebiscito realizado há alguns anos no Brasil nosso povo manifestou-se maciçamente a favor do porte legal de armas para os cidadãos se defenderem.
Mas, nesta postagem, quero muito, também por dever moral, enaltecer as virtudes heroicas de uma jovem, Victoria  Soto, professora de origem porto-riquenha daquele colégio de Connecticut, cristã da denominação protestante Lordship Community Church, que não hesitou em entregar sua vida, na plenitude de seus vinte e sete anos, para salvar suas crianças.
Ela reagiu sem pestanejar assim que ouviu disparos na sala de aula que havia sido invadida pelo criminoso, bem ao lado da sua. Em meio ao terror daqueles momentos que podemos imaginar quão terríveis foram para quem os viveu, encontrou forças para ter o tirocínio de dizer aos dezessete alunos que aqueles barulhos (tiros e, certamente, gritos) faziam parte de uma brincadeira e que se eles desejassem ganhá-la deveriam esconder-se nos armários da sala e permanecer absolutamente quietos, em silêncio absoluto. As crianças obedeceram a essas instruções e quando o monstro invadiu a sala de aula, ao não ver nenhum aluno, perguntou onde estavam. Victoria novamente mostrou acuidade, dizendo-lhe que estavam em uma aula de ginástica, mas, infelizmente, ele não ficou convencido disso e abriu fogo contra um dos armários. Então, para proteger seus queridos alunos, incontinenti e com impressionante destemor e coragem, se colocou entre eles e o assassino, fazendo-se ela própria de escudo. Foi então atingida mortalmente, dando a sua vida pelas daqueles inocentes que a ela estavam confiados naquele momento. Ela foi encontrada amontoada sobre as crianças, as suas crianças, a quem defendeu instintivamente como se fossem seus próprios filhos.
Victoria deu sua vida pelas vidas de crianças inocentes. Vidas que não foi ela que gerou, mas que tratou como se tivessem sido concebidas por ela. Um soco no queixo de quem defende práticas abortivas em nome de um pretenso “direito ao corpo” da mulher, como se os filhos que carregam no ventre a elas pertencessem, como se não possuíssem vidas próprias. Nesse sentido, podemos dizer que Victoria venceu, com sua morte, a cultura da morte. Foi cristã até o fim.
Quem é cristão sabe que não há prova maior de amor do que dar a vida pelo irmão, como fez o próprio Cristo. Quem é ateu e tem bom coração, certamente, haverá de concordar com isso. Mas quem achar que atos assim não são heroicos, seja cristão ou ateu, pode parar de ler esta pequena elegia, porque, sinceramente, sua ausência não me fará a menor falta...  Todas, rigorosamente, todas as pessoas que possuem bons sentimentos – protestantes como Vickie, católicos, judeus, espíritas, ateus – reconhecem seu ato de heroísmo. Victoria não titubeou em morrer para que aqueles pequenos anjos tivessem a chance de permanecer vivos. Colocou a vida deles em primeiro plano. Seu primo Jim Wiltsie, segundo postagens na Internet, afirmou que ela "perdeu a vida fazendo o que amava. Ela amava essas crianças  e sua meta na vida era chegar a ser uma professora para moldar estas jovens mentes" [graduada na Eastern Connecticut State University, estava cursando o mestrado em educação para deficientes na Southern Connecticut State University]. Sua amiga Andrea Crowell disse que Vickie "pôs suas crianças em primeiro lugar. Ela sempre falava disso. Ela quis fazer o melhor por eles, ensinar-lhes algo novo cada dia".
Sua igreja, segundo pude constatar na Internet, está organizando uma campanha para angariar fundos para sua família que, ao que parece, vive com dificuldades financeiras. Uma bela iniciativa.
Estamos acostumados a ver imagens dos santos em estátuas e estampas que nós, católicos, veneramos (o que é muito diferente de adorar), como se estivéssemos olhando com carinho para uma estátua ou fotografia de uma pessoa querida.
Pois ao olhar ontem para a fotografia de Victoria na Internet, uma jovem bonita, de olhar que irradiava pureza e alegria e plena de vida, tive a certeza de que  sua demonstração heroica de amor fez dela uma santa de nossos dias, mártir dos tempos modernos! Sem estampa, sem estátua, sem pertencer à Igreja que beatifica e canoniza pessoas que demonstraram em vida virtudes heroicas. Pois o que menos importa é a que igreja pertencia, já que o que resulta – e que Deus certamente já levou em conta – é que Victoria, com a dedicação à sua missão de professora, com a qualidade de procurar fazer sempre suas tarefas profissionais da melhor maneira possível dentro de suas limitações humanas, colheu destemidamente a flor do amor.
O abismo não a intimidou! A flor é sua, Professora, você a colheu com muita coragem, desfrute de sua beleza, fragrância e tudo o mais que representa o amor. Amor que você dedicou a seus pequenos inocentes. O Pai certamente há de ter se alegrado com a sua atitude e há de ter concedido a você a maior de todas as alegrias, a que reserva para as pessoas humanas, os únicos seres transcendentais criados, que é a alegria da Sua presença, Vickie!


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