|
A
teoria lingüística dos discípulos de Marcos Bagno ensinada em
faculdades e escolas, na prática, não consegue construir uma nova
língua. Ela prejudica a língua existente. Deseduca o povo e pode
arruinar qualquer fundamento de norma escrita e falada.
Confesso nada entender a respeito de lingüística. Pergunto-me se há alguma utilidade efetiva para essa "ciência" esquisita (talvez a finalidade maior seja a de empregar lingüistas). Quando eu ouço o lingüista falar, lembro imediatamente da bizarra figura do antropólogo, cujo ganha-pão, segundo o jornalista Janer Cristaldo, é o índio. Ambos são profissionais que falam jargões quase incompreensíveis e, por vezes, absurdos. Se o lingüista, muitas vezes, pode ser o relativista da língua, o antropólogo é o relativista da cultura. O primeiro parece negar qualquer padrão aceitável do idioma. Já o segundo afirma que nenhuma cultura é superior a outra: todas se equivalem.
Desse
modo, para o antropólogo, os nossos juízos, valores e idéias são apenas
reflexos de uma cultura em particular. É necessário indagar como alguns
lingüistas estudam e identificam o idioma, se não aceitam padrões
claros que definam a sua existência. Ou mesmo o antropólogo, que deve se
achar acima de todas as culturas, para afirmar que a sua antropologia
sirva para analisar todas elas. Não falo sobre todos os lingüistas e
todos os antropólogos, mas tão somente sobre os lingüistas e
antropólogos mais comuns. Há exceções notáveis. Contudo, a regra é de
assustar.
O
famigerado "preconceito lingüístico" de Marcos Bagno é a moda acadêmica
da atualidade incultural brasileira. Para ensinar o português, não é
preciso mais ensinar a gramática. Qualquer fala ou qualquer escrita, por
mais insuficiente, confusa ou ininteligível que possa ser, deve ser
aceita como forma válida de comunicação. (Mesmo que ninguém mais entenda
a norma culta ou consiga ler, entender e falar em vernáculo correto.) A
gramática, a literatura e a história da língua são apenas meios
opressivos de classe, de ideologia e de condição social, prontos a
discriminar os pobres burrinhos. Corrigi-los é um crime de lesa-pátria e
despotismo abomináveis! O objetivo maior é fomentar a rebelião da
classe iletrada contra o homem instruído e suas engrenagens de
exploração (a literatura e a gramática), tal como o proletariado deve
combater o burguês e a sociedade capitalista! Em suma, Camões e Machado
de Assis deveriam ser fuzilados em nome da revolução! Ou no mínimo,
queimados na fogueira. É a luta de classes no universo da língua, dos
oprimidos analfabetos contra os opressores alfabetizados. Analfabetos de
todo o mundo, uni-vos!
Certa
vez contei um fato à minha professora de história. Um judeu americano,
filho de ucranianos, chamado Norman Podhoretz, era um garoto pobre da
Nova York da primeira metade do século XX. Ele falava um inglês
carregado de sotaque iídiche. Sempre que chegava à escola, falava
puxando aqueles terríveis erres germânicos. A professora de inglês o
colocou numas aulas de "correção de sotaque". E Podhoretz pôde falar
inglês como um norte-americano, pronunciando corretamente as palavras. A
professora de história me olhou com um ar de horror. Discípula de Paulo
Freire, só faltou acreditar que era a "pedagogia do oprimido" aplicada
ao judeuzinho. Achou aquilo um crime. E eu retruquei: "Não, professora,
ele agradeceu. Se não falasse o inglês direito, ele jamais saberia se
entender com sua vizinhança irlandesa ou italiana e ficaria preso no seu
universo de bairro judeu". Norman Podhoretz, essa
"vítima" da sociedade americana capitalista e malvada, tornou-se um
intelectual neoconservador, jornalista e escritor respeitado.
Não
falo, neste caso, sobre os judeus do Leste Europeu ou da Rússia, mas
sim de brasileiros, cujo português é a língua materna. No entanto, a
educação pública brasileira o transforma numa língua estrangeira para os
brasileiros. Estes não conseguem identificar o idioma de suas raízes
culturais e literárias. Ou melhor, falam um vernáculo de baixo nível,
achando que personificam o que há de melhor no idioma. Pouca importa,
nesse caso, a famosa frase de Pessoa: "Minha pátria é minha língua". O
idioma perde sua unidade para se tornar uma torre de Babel.
Escutei
a pérola de um lingüista. Como não há padrões que definam a nossa
língua, e como existe uma dinâmica do idioma, logo, a gramática, a norma
padrão e o que denominamos de "purismo" do idioma são formas elitistas
de engessá-la. Ou seja, para este sujeito, não existia a distinção
qualitativa entre a fala e escrita de um literato, um erudito ou uma
pessoa que domine a mera expressão formal da língua e as gírias do baile
funk. Para citar um exemplo, ele lembrou do latim (sim, do latim) para
justificar essa mudanças.
Se
as origens do português derivam do vulgar de latim, por que impedir que
o linguajar baixo do povo não possa criar novas formas de linguagem,
transformando o velho português num novo latim? Fiquei perplexo com tal
teoria. Alguém poderia equiparar a língua de Cícero, de Virgílio, de
Títo Lívio, de Gaio, de Sêneca, de Juvenal, com as musiquinhas estúpidas
do baile funk ou do pagode? Ou as falas pobres das novelas da Rede
Globo? O latim medieval e o trivium poderiam ser equiparados com as teorias lingüísticas xucras de Marcos Bagno?
O
delírio interpretativo que cheguei a escutar me deixou pensativo. Se
alguém pode extrair da língua latina alguma origem na fala ruim da
patuléia, realmente poderíamos receitar o hospício para este indivíduo.
Porém, este tipo está no Brasil. E é professor de lingüística e de
português.
A
teoria lingüística dos discípulos de Marcos Bagno ensinada em
faculdades e escolas, na prática, não consegue construir uma nova
língua. Ela prejudica a língua existente. Deseduca o povo e pode
arruinar qualquer fundamento de norma escrita e falada. Quando o
português começou a existir, com toda a sua vulgaridade, nunca abandonou
suas raízes gramaticais e semânticas gregas e latinas. Não abandonou
nem mesmo o alfabeto latino. Felizmente não havia Marcos Bagno na Idade
Média!
Certos
lingüistas querem apagar o passado do nosso idioma na memória do povo,
tal como Pol Pot tentou riscar do mapa a história do Camboja. Criam uma
geração de analfabetos funcionais, presos aos seus estreitos nichos
lingüísticos, incapazes que são de compreenderem a sua língua na sua
maior expressividade, complexidade e riqueza. Quem se prende à linguagem
do baile funk ou da novela da Globo nunca alcançará Camões ou Machado
de Assis. Não terá capacidade para isso. Será sempre o homenzinho
vulgar, com sua expressão primitiva, ilógica. Na pior das hipóteses,
nunca saíra da miséria cultural e social. Seu nível de português não
serve para o mercado de trabalho, para as exigências profissionais mais
especializadas ou para a universidade. A não ser, claro, que seja um mau
profissional ou que estude numa faculdade de fundo de garagem.
O
produto claro do ensino de lingüística no Brasil é óbvio demais: 38% de
alunos universitários são analfabetos funcionais. Indivíduos que não
dominam as construções gramaticais elementares do idioma. Não escrevem
de forma coerente. Não conseguem ler livros. Não conseguem se expressar
com objetividade ou clareza. O estrago todo é muito feio. O Brasil está
abandonando a última flor de Lácio inculta e bela, para a linguagem da
Idade da Pedra.
Eu
não entendo nada de lingüística. Mas entendo razoavelmente a língua
portuguesa, ainda que cometa alguns deslizes. Do jeito que os lingüistas
estão falando tanta baboseira, é melhor não aprender nada sobre o
assunto. Senão, desaprendo o português.
0 comments:
Postar um comentário