por Ricardo Rangel O Globo
O Supremo não falha. Passou a tarde inteira decidindo se ia decidir,
decidiu deixar a decisão para depois, mas decidiu deixar Lula livre até
lá. Parece o baiano da anedota, que diz que não há dia melhor do que
hoje para deixar para amanhã o que não se vai fazer nunca.
Por que adiou? Porque já estava tarde, e ministro do Supremo não pode trabalhar de noite, vira uma espécie de abóbora togada.
Ficou para o dia seguinte? Não, Marco Aurélio tinha que viajar. Mas
sexta é dia de expediente no STF, o ministro tinha que ir para onde,
fazer o quê? Para o Rio, assumir a presidência do conselho consultivo da
Academia Brasileira de Direito do Trabalho, compromisso tão relevante e
inarredável que, ao ser anunciado, provocou frouxos de riso nos demais
ministros. Será que paga bem, a ABDT?
Mais tarde, Marco Aurélio se queixaria de estar sendo “crucificado como
culpado pelo adiamento do julgamento do habeas corpus do presidente
Lula, porque sou um cumpridor de compromisso”. Excelência, o senhor foi
crucificado por descumprir seu compromisso com a nação, que lhe dá um
cargo vitalício com remuneração igual à do presidente da República, sem
contar os penduricalhos. (A noção de compromisso e de espírito público
de Marco Aurélio lembra a de alguns de nossos senadores, que, em vez de
votar o destino de Aécio, foram passear nas rússias e nas arábias.)
A votação deveria ficar para hoje, mas não: como o feriado no STF começa
na quarta (!), está na cara que não haverá ninguém lá nem hoje nem
amanhã. É a suprema semana santa: vai da véspera do domingo de Ramos ao
domingo de Páscoa. Um trabalhador normal seria descontado em nove dias,
mas os ministros, que tanto se esfalfam, e têm apenas 94 dias de folga
este ano, coitados, merecem um refresco. (Com um exemplo desses, não
admira que os juízes federais façam greve para nos obrigar a lhes pagar o
aluguel.)
Então ficou para segunda que vem? De novo, não. Só na quarta. O que os
ministros têm para fazer na segunda e na terça? Vão estar se recuperando
da esbórnia do superferiadão?
Muito bem. Diz que no dia 4, afinal, vão votar. Mas só dez deles, porque
Gilmar deve estar em Portugal. Vai cuidar do 6º Fórum Jurídico de
Lisboa, promovido pelo IDP, aquele instituto que criou já ministro, que
recebe milhões de reais de empresas privadas e gera constrangimento para
todo mundo menos para seu dono.
A tertúlia de Gilmar vai de terça a quinta da semana que vem, o que
significa que, além desta semana, o ministro ia enforcar a próxima. Um
dia de feriado, 16 dias corridos de ausência. Como é doce ser ministro.
Gilmar está pensando se interrompe seu colóquio para vir ajudar Lula. Em
teoria, sua ausência é irrelevante: se Rosa votar contra o
ex-presidente, nada o salvará; se votar a favor, Gilmar não é
necessário, pois o empate beneficia o réu. Mas... vai que algum ministro
viaja para dar uma palestra? Melhor não arriscar, Excelência.
Isso, claro, se houver mesmo votação, porque já estão dizendo que é
capaz de alguém pedir vistas, e jogar a decisão para as calendas gregas.
O Supremo segue fazendo o que pode para ser um lugar “horrível, mistura
do atraso com a maldade, com pitadas de psicopatia”, que nos “envergonha
e desonra a todos”.
extraídaderota2014blogspot
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