por José Casado O Globo
Ele fez fortuna no Platô das Guianas. Seu patrimônio estimado equivale a 1,2% da economia do Amapá. Gosta de exibir o poder e a riqueza acumulada num dos estados mais pobres, recordista em mortalidade infantil e analfabetismo.
Na garagem de sua casa em Macapá, 1,7 mil quilômetro ao norte de
Brasília, estacionou um conjunto avaliado em R$ 4 milhões: duas Ferraris
(Califórnia F1 e F430 Coupé); um Maserati Coupé GranSport; três
Mercedes Benz (Sprinter 2008, CLS 350 e ML 320-CDI); três BMW (3201-A,
X6-X Drive e X-5); um Mini Cooper e um Toyota Land Cruiser.
Tem um jato executivo (Cessna Citation) e meia centena de imóveis
espalhados por três mil quilômetros do mapa do Brasil. Trinta e um deles
já identificados em Rio, São Paulo, Brasília, Macapá, João Pessoa e nas
praias de Cabedelo (PB), Pipa e Tibau do Sul (RN) — para elas, reservou
sua pequena frota de lanchas Real Class (26 pés, com sofá de cabine
conversível em cama de casal), Jet Boat (XR2-S, edição limitada), e moto
aquática (três assentos).
Aos 70 anos, José Júlio de Miranda Coelho é prova viva de como alguns
políticos fazem magia com o orçamento público: com o salário de R$ 18
mil mensais, precisaria trabalhar 466,6 anos para poupar os R$
100.801.327,00 em dinheiro público que desviou do Tribunal de Contas do
Amapá, entre a segunda-feira 30 de maio de 2005 e a sexta-feira 18 de
julho de 2010.
Ex-oficial da Polícia Militar, elegeu-se prefeito, deputado e foi
presidente da Assembleia, onde se contam até 70 assessores por gabinete.
Em seguida, assumiu o cargo vitalício de conselheiro do Tribunal de
Contas, que já presidiu três vezes.
Miranda Coelho se apropriou de um volume de recursos públicos
equivalente ao dobro daquilo que o ex-deputado federal Geddel Vieira
Lima, ministro nos governos Lula e Temer, conseguiu entesourar em malas
num apartamento em Salvador. Flagrado na Operação Lava-Jato, Geddel foi
recolhido a um presídio em Brasília. Miranda Coelho foi denunciado há
sete anos, junto com outros integrantes do TCE do Amapá, mas continua
solto em Macapá, porque conselheiros do TCE têm direito a foro
privilegiado.
Semana passada, em Brasília, o Superior Tribunal de Justiça decidiu
levá-lo a julgamento, por decisão da juíza Nancy Andrighi. “A prova é
oceânica”, apoiou o juiz Herman Benjamin.
Há duas toneladas de evidências coletadas em Macapá. Nelas, 20 mil
páginas de documentos contam como Miranda Coelho e outros conselheiros
do TCE manipulavam o orçamento público. Reservavam dinheiro sob a
rubrica “Outras Despesas Variáveis” e, em seguida, sacavam o dinheiro na
boca do caixa do Banco do Brasil. Ele levou para casa R$ 100,8 milhões,
quantia similar à renda média anual de 114 mil habitantes do Amapá.
Outros R$ 76 milhões estão sob investigação.
As provas amazônicas incluem desvios milionários na educação, saúde,
segurança pública, transportes e agricultura. O sucessor de Miranda
Coelho na presidência da Assembleia, deputado Moisés de Souza, comandou
um grupo de 20 parlamentares, 14 funcionários e empresários locais na
dissipação de R$ 50 milhões. Registram, ainda, casos como o da deputada
Telma Gurgel, que gastou R$ 949 mil em “verba indenizatória” no espaço
de 13 meses. Ela alegou ter consumido quatro toneladas e meia de pães,
1.800 lanches e 1.200 almoços no período.
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