por Ascânio Seleme O Globo
Política social se faz com dinheiro público usando-se mecanismos como a
renúncia fiscal ou a desoneração. Significam a mesma coisa, são
produtos, serviços ou atividades que ganham isenção ou redução de
impostos transferindo para outros a sua parte no pagamento das contas
nacionais. Normalmente, esse custo é arcado pelo contribuinte regular.
Seja pela redução da qualidade dos serviços prestados, seja pelo aumento
dos impostos que recai sobre seus ombros. As renúncias fiscais somadas
alcançaram a extraordinária cifra de R$ 285 bilhões no ano passado.
A projeção para este ano eleva o valor para R$ 320 bilhões. Em 2006, as
desonerações somavam R$ 77 bilhões. Por vezes, não poucas, desonerações
significam atendimento de pressões políticas de setores organizados da
economia. Não pagar imposto, sonegar ou achar um mecanismo para reduzir a
carga fiscal virou uma mania nacional. Todo mundo quer tirar uma
casquinha do generoso Estado brasileiro. Muitos conseguem nacos
importantes da gordura patropi.
Existem diversos tipos de renúncia e regimes fiscais. Muitos são
decretados em razão de políticas sazonais. Alguns deles escondem
critérios políticos eleitorais, como os que a ex-presidente Dilma
Rousseff criou em 2013 e 2014, de modo a manter empregos artificialmente
em setores da indústria e obter ganho eleitoral na sua reeleição. No
total, custaram R$ 458 bilhões as desonerações concedidas nos cinco anos
de Dilma.
Das desonerações regulares, a maior é a do Simples Nacional, que
contempla empresas com receita bruta anual de até R$ 3,6 milhões. No ano
passado, R$ 67,7 bilhões deixaram de ser arrecadados em razão desta
modalidade de desoneração. Em segundo lugar, chegam praticamente
empatados o regime especial para as empresas sem fins lucrativos e a
Zona Franca de Manaus, que deixaram de recolher em 2017,
respectivamente, R$ 24,5 bilhões e 24,2 bilhões.
Criada em 1967, a Zona Franca teve recentemente sua vigência prorrogada
até 2073. Será a mais duradoura exoneração fiscal da história e ao seu
término terá sobrevivido incríveis 103 anos. Nenhuma política de
incentivo econômico, que serve para reposicionar um setor ou uma região,
pode durar tanto tempo. Nesse caso, deixa de ser incentivo e vira
benefício. Benefício que alguém tem que pagar.
Os seus defensores alegam que, além de induzir a economia regional, ela
gera empregos. Segundo dados da Superintendência da Zona Franca
(Suframa), o polo industrial de Manaus que recebe os incentivos tem 85
mil pessoas empregadas. Significa, numa conta simples, que cada emprego
custa aos cofres públicos R$ 284.705,88. Para se ter uma ideia do
tamanho disso, basta ver que o PIB per capita do Amazonas é de cerca de
R$ 22.500.
Se você comparar estes dados com os do Simples Nacional, vai ter um
choque. As empresas optantes do Simples empregam 18,8 milhões de
pessoas. Levada em conta a renúncia fiscal deste modelo, cada um destes
empregos custa R$ 3.563,82 por ano ao Tesouro. Em outros números,
pode-se dizer que cada emprego da Zona Franca vale por 79.737 empregos
gerados pelo Simples Nacional.
Tem muitos outros casos bem importantes, mas um dos mais extraordinários
é o da Política Nacional de Informática, de 1984, que criou a famosa
reserva de mercado para produtos de informática produzidos no Brasil. O
país patinou durante anos, já que a lei praticamente inviabilizava a
importação de computadores e peças. Em 1991 seus efeitos foram
parcialmente suspensos, permanecendo em vigor as reduções do IPI para
equipamentos fabricados no país. Se forem da região da Amazônia ou do
Nordeste, as reduções serão maiores. Em 2014, esse incentivo foi
prorrogado até 2029.
No caso das entidades sem fins lucrativos, como igrejas, escolas,
clubes, associações de classe, há manuais disponíveis na internet que
ensinam como montá-las. Cumpridos os trâmites legais, em poucos dias o
interessado será titular de uma entidade beneficente e poderá emitir
notas sem precisar descontar tributos como a CSSL, o IR da Pessoa
Jurídica, o PIS ou a Cofins. Foi isso o que fez a gangue dos presídios
do Rio desbaratada na terça-feira, criou uma sociedade sem fins
lucrativos para se apropriar do dinheiro público. Neste caso, o dinheiro
roubado ainda ganhava isenção de impostos.
Ascânio Seleme é jornalista
extraídaderota2014blogspot
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