por Fábio Costapereira e Luiz Marcelo Berger.
O tráfico de drogas é um negócio bilionário, tentacular e violento que se espalha pelo tecido social da mesma forma que um câncer metástico. Nenhuma, ou quase nenhuma outra atividade lícita ou ilícita, oferece a mesma rentabilidade. Em que pese a crueza da analogia, ela é perfeita, pois revela, com precisão, o modus operandi deste negócio. Qualquer análise que desconheça essa realidade pecará pela imprecisão.
Aos traficantes pouco importa os meios utilizados para atingir os seus fins. Não há, por parte deles, qualquer juízo moral. Isso ocorre porque estes agentes econômicos são estritamente racionais (1). O que lhes interessa é atingir os resultados esperados, ainda que, para isso, usem subterfúgios que, para nós, comuns do povo, seriam impensáveis, tais como o uso de gestantes na estrutura criminosa.
A possibilidade de enriquecimento quase instantâneo serve como poderoso magneto que atraí pessoas dispostas a tudo para obter lucro fácil, independentemente de qualquer juízo de valor. A constatação das motivações para o cometimento deste tipo de crime encontra guarida em incontáveis pesquisas empíricas realizadas em presídios brasileiros e no exterior.
Apontam as pesquisas que o interesse econômico, a alta rentabilidade e a pouca probabilidade de punição são importantes incentivos que levam os agentes a se aventurar no mundo da traficância (2).
O conhecimento desta realidade microeconômica, portanto, deveria ser precedente a qualquer decisão jurídica ou política sobre o tema, pois, dessa forma, evitar-se-ia a adoção de medidas com previsíveis e desastrosas consequências. Infelizmente, não foi o que ocorreu durante o julgamento do HC 143641.
No dia 20 de fevereiro deste ano, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, ao julgar HC Coletivo impetrado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CadHu), em favor de todas as presas grávidas e com filhos menores de 12 anos de idade, decidiu que as mulheres nessa singular situação, independentemente da verificação de outros critérios, se presas preventivamente estiverem, deverão ser colocadas em aprisionamento domiciliar, sem prejuízo de outras medidas alternativas à prisão, em prazo máximo de sessenta dias.
A decisão deve atingir de imediato, assim que implantada, aproximadamente 4,5 mil mulheres, o equivalente a 10% da totalidade da população carcerária feminina no Brasil, isso sem contar, é claro, com as mulheres que, em idênticas condições, no futuro, ao serem presas preventivamente, serão beneficiadas pelos efeitos do HC. O relator do HC, o Ministro Ricardo Lewandowski, ao votar, após fazer inúmeras digressões acerca das afrontas aos Direitos Humanos que as péssimas condições prisionais impõem às mulheres e a sua prole, decidiu: “[…]gestantes, puérperas ou mães de crianças com até 12 anos sob sua guarda ou pessoa com deficiência […]enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo juízes que denegarem o benefício[…]”- grifos nosso. (3)
A análise do caso concreto, a teor da decisão, em termos subjetivos e objetivos, que sempre marcou a atividade judicial em matéria de persecução criminal, deixará de ser relevante. Deverá o juiz, diante dos pedidos de prisão domiciliar, deduzidos em favor de mulheres grávidas ou com filhos infantes, conceder o benefício independentemente da análise das disposições dos artigos 282 (que trata das hipóteses de concessão de medidas diversas à prisão) e 312 (que trata das hipóteses de prisão preventiva), ambos do Código de Processo Penal.
Aliás, no que diz respeito às exceções à regra estatuída judicialmente, a decisão foi absolutamente espartana. Apenas nos casos em que a mãe praticar crimes marcados pela grave ameaça ou violência, tendo a sua descendência como vítima, ou outras hipóteses excepcionalíssimas (?), é que poderá o juiz negar o aprisionamento domiciliar.
Como decorrência da decisão, não é preciso esforço intelectual mais profundo para se perceber que, diante de tão grande oportunidade comercial, os agentes econômicos ligados ao tráfico de entorpecentes vão ajustar as suas estratégias de comercialização de drogas, recrutando, com maior frequência, “colaboradoras” que ostentem o perfil descrito no HC. No cálculo final da relação entre o custo e o beneficio de se traficar, a gravidez e a maternidade de filhos menores de doze anos serão integradas como decisivos vetores.
As consequências, como dito, são previsíveis. Dentre elas, o provável aumento da taxa de natalidade entre as mulheres que se dedicam ao crime. O tempo, senhor da razão, dirá.
Nas palavras do Conselheiro Acácio, personagem do rico universo do escritor Eça de Queiróz, figura bazófia e das obviedades ululantes: “o problema das consequências é que elas sempre vêm no fim!
Eis o atual dilema brasileiro, as consequências da decisão em breve se farão sentir nas ruas!
1. Leia-se o artigo seminal de Gary S. Becker de 1968, que demonstra com riqueza de detalhes este comportamento.
2. A literatura nacional tem sido enriquecida sobremaneira com estudos neste sentido, especialmente por parte de Pery Francisco Shikida, cujos estudos sobre sistema prisional incluem mais de dezoito anos de pesquisas e análise comportamentais em todo o pais, corroborando minuciosamente os modelos teóricos de comportamento nacional do criminoso, particularmente no caso do comércio de drogas ilícitas.
3. Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=370152. Recuperado em 21 de fevereiro de 2018.
*Fábio Costapereira, Procurador de Justiça/RS e especialista em Inteligência Estratégica, e
*Luiz Marcelo Berger, Doutor e Mestre em Administração.
*Luiz Marcelo Berger, Doutor e Mestre em Administração.
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