por J.R. Guzzo Veja
NADA PODE ir bem num país quando os seus juízes e procuradores se
aproveitam da vantagem de não poderem ser punidos nunca, por ninguém e
por nenhum motivo, para desrespeitarem a lei em busca de um benefício
pessoal. Felizmente não são todos — o país realmente já teria ido para o
diabo se fossem.
Os juízes estaduais e os Ministérios Públicos dos estados, por exemplo,
não participam da “greve” convocada para o dia 15 de março pelas
“lideranças da categoria”. Mesmo entre os magistrados federais o
problema está concentrado num desses grupos que transformaram suas
associações em sindicatos trabalhistas com militância política. Não são
muitos — mas falam, decidem e agem por todos.
O resultado, de qualquer jeito, é que temos aí mais uma agressão aberta à
democracia no Brasil. Não há um regime democrático em funcionamento
normal quando juízes de direito dão a si próprios direitos diferentes e
maiores que os do cidadão comum — no caso, colocando-se acima da lei
numa greve para obrigar o Supremo Tribunal Federal a decidir uma causa
em seu favor.
Ou o STF faz o que eles querem, segundo ameaçam, ou então a Justiça não
vai funcionar. Isso, obvia-mente, não existe em democracia nenhuma do
mundo.
O STF não pode ser obrigado por nenhum grupo particular, muito menos por
magistrados, a agir assim ou assado. Mas aqui, hoje, está valendo tudo.
Numa situação mais ou menos normal, o juiz que fizesse greve para
pressionar publicamente os seus superiores na hierarquia, e isso para
arrancar um privilégio pessoal, deveria ser simplesmente demitido do
cargo e ir fazer outra coisa na vida. Acontece que o Brasil não vive, já
há muito tempo, uma situação normal no Poder Judiciário.
O motivo da anomalia é que se transformou num hábito, no sistema de
Justiça brasileiro, ignorar a lei e a Constituição Federal em benefício
dos interesses materiais e ideológicos dos que têm um emprego ali
dentro. Nada poderia comprovar isso de forma tão clara como a “greve” do
momento.
Ela já é um disparate em si mesma, por ser escandalosamente ilegal, mas o
motivo pelo qual foi convocada é muito pior ainda — na verdade, é o
próprio sintoma da falência geral de órgãos que envenena atualmente o
corpo da máquina judiciária nacional. Os grevistas não exigem o
cumprimento de nenhum preceito virtuoso, como o direito de julgarem em
liberdade e de acordo com a própria consciência.
O que querem, mesmo, é garantir miseráveis interesses financeiros
pessoais — mais exatamente, o pagamento de 4 300 reais por mês como
“auxílio-moradia”, inclusive para quem já mora na própria moradia. São
cerca de 30 000 juízes e procuradores no Brasil inteiro.
Multiplique por 4 300 por mês — e veja aí o custo dessa brincadeira.
Desde que o ministro Luiz Fux, do STF, inventou, em 2014, que todos os
magistrados brasileiros, sem exceção, deveriam ganhar o “auxílio” hoje
contestado, a despesa pública com ele aumentou vinte vezes.
Quer dizer: é um desses casos em que se soma o insulto à injúria. A
greve, por si só, já é uma ofensa à ordem; o motivo da greve é uma
ofensa à moralidade. De fato, que sentido pode fazer uma aberração como
esse “auxílio-moradia”? Os cidadãos brasileiros não têm direito a
receber dinheiro do governo para pagar seu aluguel mensal, muito menos
para reforçar seu bolso quando já têm a própria casa.
Por que, então, juízes, incluindo os “do Trabalho”, e procuradores
deveriam receber aqueles 4 000 e tantos a mais por mês, se pela
Constituição todos os cidadãos brasileiros são iguais perante a lei?
Fica oficializado, com esse desatino, que não são iguais — se o Estado
quer tirar dinheiro dos impostos para pagar a moradia de uns, deveria
pagar então a moradia de todos.
A respeito desse ponto, a propósito, desvenda-se a hipocrisia sem
limites da “luta pelo direito à moradia”, que é como os sindicatos
apresentam sua exigência.
Ela é descrita como se o dinheiro gasto com o “auxílio” pertencesse ao
“Estado” — ou, numa mentira mais grosseira ainda, “ao governo Temer”, ou
ao “Supremo”. Então por que não dizem, logo de uma vez, que a verba vem
do Tesouro de Marte?
A verdade, como em 100% dos “gastos do governo”, é que o “governo” não
gasta nada, nunca. Quem está pagando cada centavo do “auxílio-moradia” é
você mesmo, ninguém mais; é o público, que mete a mão no bolso para
pagar imposto a cada vez que recebe o seu salário ou acende a luz de
casa.
Não seria mais “republicano” se os nossos magistrados exigissem da
população, que de fato é quem lhes paga, o que exigem do STF? Fica aí a
ideia.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário