por Roberto Castello Branco
O que há de menos relevante na discussão sobre privatização de empresas e concessões de infraestrutura é se vão gerar mais ou menos do que R$ 700 bilhões. O valor de empresas e concessões não é determinado por registros contábeis, mas sim por aquilo que o mercado está disposto a pagar.
Mas o que realmente importa é que a privatização de boa parte das estatais federais e a realização de concessões de estradas, portos, aeroportos e outros ativos contribuirá com algum valor significativo para a redução do endividamento público, o estímulo ao investimento privado e para o crescimento da produtividade.
De acordo com o Observatório das Estatais, da FGV, o Brasil possui 442 empresas estatais, sendo 151 federais e as demais estaduais e municipais. Trata-se de número claramente excessivo, maior do que de qualquer país da OCDE, mesmo aqueles que até o início dos anos 90 viviam sob regime comunista.
Observando essa enorme lista, são muito raras as empresas onde o Estado é o “natural owner”, o investidor capaz de extrair o máximo de retorno social de seus ativos. Do ponto de vista alocativo, não faz sentido manter bilhões de dólares de capital investido nessas companhias, cujas atividades podem ser exercidas de maneira muito mais eficiente pela iniciativa privada.
Enquanto insistimos no luxo de manter a propriedade desses ativos carregamos um endividamento em trajetória explosiva, que, mesmo com a queda da SELIC, exigiu pagamentos de juros em 2017 de cerca de 6% do PIB.
Faltam recursos para investir, por exemplo, em segurança pública, uma obrigação do Estado brasileiro. Com o crime organizado em crescente consolidação, ficamos sabendo que 17 entre as 50 cidades mais violentas do mundo são brasileiras e corremos o risco de virarmos um narco-Estado. Vale a pena relembrar que, entre outras implicações, o crime é gerador de desigualdade de renda e pobreza.
O endividamento público asfixia o Estado e suga recursos da poupança, expulsando o investimento privado.
Ao mesmo tempo, o desempenho medíocre da produtividade desde os anos 80 diminuiu o potencial de crescimento econômico no longo prazo, o que significa menos oportunidades para as atuais e futuras gerações. Esse foi um dos importantes legados de muito anos de estatismo em nosso País.
Empresas estatais não possuem nenhum incentivo para maximizar eficiência. Seus gestores não são defrontados com metas alinhadas com a geração de valor para os acionistas. Seus empregados recebem elevada remuneração fixa, gozam de benefícios generosos e na prática de estabilidade no emprego.
Num caso típico de má governança corporativa, o capital das estatais pertence à sociedade, porém grande parte de seu fluxo de caixa é apropriado por uma espécie de aliança formada por corporações de servidores, de empresários inimigos do capitalismo e grupos de políticos populistas/corruptos. Apesar das boas intenções da lei das estatais, ela não suficiente para modificar esse panorama.
Nada impele as estatais na direção da eficiência, mas muitas forças as direcionam para o populismo distributivista. Ninguém está disposto a perder as boas oportunidades de extração de rents que elas oferecem.
Não é por outra razão que, quando anunciado o projeto de privatização da Eletrobras, políticos nordestinos e mineiros organizaram movimentos em “defesa” da Chesf e de Furnas. Da mesma forma, quando vamos a Brasília deparamos com faixas contra a privatização da Caixa, um banco envolvido em escândalos de corrupção e que se sustenta graças ao FGTS, patrimônio dos trabalhadores brasileiros e cuja gestão estatal os remunera com taxas de juros reais negativas.
Se desejarmos ter prosperidade no futuro a privatização de estatais deve ser uma das prioridades do próximo governo. Não podemos cometer, todavia, alguns erros do programa de privatização dos anos 90.
Primeiro, privatização não é substituta de cortes permanentes de gastos públicos. Não faz sentido reduzir a dívida hoje e continuar trabalhando para aumentá-la no futuro. Uma profunda reforma do Estado e a eliminação de isenções fiscais e subsídios de crédito são fundamentais para um ajuste duradouro das contas públicas.
Segundo, o processo de desestatização deve conceder prioridade às ofertas públicas de ações. A prática passada de venda de blocos de controle para grupos fechados compostos por fundos de pensão estatais e empresas sócias do Estado, financiados com dinheiro do BNDES, não deve ser repetida.
Sem dúvida foi bom ter privatizado vários setores da economia, mas a forma como ocorreu acabou fortalecendo o capitalismo de Estado no Brasil, danoso para a democracia e o crescimento econômico. Teria sido muito melhor para o Brasil se os laços com o Estado tivessem sido integralmente cortados.
Finalmente, a operação Lava-Jato evidenciou a importância de romper a ligação entre a política e finanças. Isso deve ser feito através da privatização de bancos públicos - BB, Caixa, BNB e BASA - e da transformação do BNDES numa instituição bem menor, mas com muito mais qualidade e que ajude efetivamente a promover o desenvolvimento econômico.
*Doutor em Economia pela FGV EPGE e Post Doctoral Fellow pela Universidade de Chicago. Diretor do Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento Econômico da FGV, Professor afiliado da FGV EPGE e membro do Conselho de Administração da Invepar S.A. Foi professor titular da FGV EPGE, Presidente do IBMEC, diretor de instituições financeiras privadas, diretor da Vale S.A., membro do Conselho de Curadores da FGV e do Conselho de Administração da Petrobras.
** Publicado originalmente em http://blogdoibre.fgv.br/autores/roberto-castello-branco
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