JOÃO PEREIRA COUTINHO FOLHA DE SP
Foi publicado na revista Science e tomou o Twitter como objeto. Pesquisadores do MIT analisaram todos os tweets publicados entre 2006 e 2017. Selecionaram 126 mil histórias partilhadas. Depois, classificaram esses tweets como verdadeiros ou falsos e seguiram o rastro para medir a velocidade da propagação.
O resultado, que li na The Economist, é funesto: os tweets falsos viajaram seis vezes mais rápido do que os tweets verdadeiros. Por quê?
Uma resposta possível seria apontar para os perfis igualmente falsos que gostam de espalhar mentiras pelo mundo virtual. Pois bem: os pesquisadores analisaram esses perfis falsos —os "bots", para usar a linguagem dos especialistas— mas garantem que o impacto é insignificante. Os tweets falsos viajam mais depressa porque são "retweetados" mais depressa.
Por outras palavras: somos nós, humanos, que contribuímos para a disseminação da mentira. A tecnologia é apenas um instrumento. Sobra, porém, a questão fundamental: por que motivo gostamos de espalhar mentiras?
Os pesquisadores também respondem: essa opção pode não ser consciente. Acontece que os tweets falsos, precisamente porque são falsos, oferecem um sabor de novidade a que ninguém resiste.
Perante essa novidade, os nossos sentimentos são sempre mais fortes do que os sentimentos que experimentamos com as notícias verdadeiras. Sentimos medo, ou náusea, ou surpresa intensa. Com histórias verdadeiras, a simples alegria ou tristeza chegam e sobram.
O estudo é interessante porque confirma as minhas intuições: o sucesso das redes sociais —como o Twitter ou o Facebook— está diretamente relacionado com os aspectos mais sombrios da natureza humana.
No caso do Twitter, o seu sucesso é alimentado pelo símio primitivo que habita em nós e que pula de excitação ou rancor quando vê uma notícia fora da caixa.
Mas se assim é com o Twitter, suspeito que não será muito diferente com o Facebook. Os especialistas gostam de afirmar que o Facebook é uma ameaça para a salubridade das democracias ao organizar a discussão política em tribos de ódio mútuo.
Difícil discordar. Mas é preciso não esquecer o outro lado do diagnóstico: os filtros do Facebook apenas organizam sentimentos humanos que são anteriores, e até superiores, a qualquer rede social.
O primeiro sentimento é um certo gosto pela violência que a sociedade civilizada sempre tentou reprimir. O segundo é uma covardia igualmente primitiva que nos leva a procurar o conforto da nossa tribo para atacar sem temor a tribo inimiga. Nelson Rodrigues, que nunca assistiu ao dilúvio das "redes sociais", tinha razão quando temia as multidões. Elas são burras, violentas e covardes.
Ou, então, são pateticamente narcisistas —como as "redes sociais" amplamente demonstram. Entenda, leitor: o narcisismo sempre fez parte do nosso software. A esse respeito, vale a pena ler "Selfie", um estudo de Will Storr sobre a forma como a ideia do "ser" emergiu no Ocidente 2.500 anos atrás.
A noção de que eu sou diferente —dotado de uma "essência", digamos, que me distingue dos outros e do mundo— é o grande contributo da filosofia grega para a humanidade.
Porém, esse individualismo sempre foi temperado por outros elementos sociais: pela família, pela religião, pelas necessidades da comunidade que nos obrigam a "sair de nós próprios". No fundo, a primeira pessoa do singular teve que acomodar a primeira pessoa do plural.
Não mais. As "redes sociais" potenciam o "ser digital" (expressão de Will Storr): um ser narcisista, exibicionista —e, sem surpresas, permanentemente insatisfeito. Como no mito de Narciso, todos estamos apaixonados pelo reflexo da nossa imagem.
Só que, ao contrário do mito, não é a paralisia que nos mata. É a busca constante de uma perfeição cada vez maior, sempre em competição com os narcisos da vizinhança.
As "redes sociais" são uma selva? Afirmativo. Porque elas permitem que os seres humanos se libertem dos velhos constrangimentos morais ou cívicos para se revelarem em toda a sua nudez.
Se em rede nos revelamos violentos ou covardes, a culpa não é da tecnologia. É de uma matéria-prima que já vem corrompida da origem.
João Pereira Coutinho
É escritor português e doutor em ciência política.
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