por Paulo Tafner e Carolina Botelho O Estado de São Paulo
Reformas são respostas a desafios a serem superados. É o confronto entre uma nova e uma velha ordem e por isso elas enfrentam resistências. Reformas da Previdência enfrentam muito mais resistência. É o que a literatura chama de “política inviável”, em que os ganhos são difusos e pouco evidentes e as perdas, concentradas. Não apenas aqui, mas em qualquer lugar do mundo em que haja uma proposta de mudança no sistema previdenciário a reação aparece de forma violenta. Tudo gira em torno da seguinte questão: quem está disposto a perder hoje em troca de um ganho coletivo futuro? No Brasil, dada a degradação fiscal a que chegamos, o futuro é amanhã de manhã.
O problema no Brasil atual se torna mais complexo por duas razões: a pressão do calendário eleitoral e o fato de que quem lidera a iniciativa da reforma é um presidente que assumiu o cargo em momento de grave turbulência política e hoje sofre elevada rejeição popular, a despeito de sólido apoio parlamentar. A um ano das eleições, que político ou partido está disposto a enfrentar os eleitores apoiando uma reforma? Isso revela, ainda que de forma singela, quão complexo é esse debate e como os interesses privados se misturam com questões públicas.
A necessidade de reforma não é novidade e consolida um longo processo reformador. Duas reformas constitucionais da Previdência já foram feitas no País: em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, e em 2003, no governo Lula da Silva. Além delas, diversas mudanças infraconstitucionais foram realizadas. As últimas, como um tiro que saiu pela culatra, no governo Dilma Rousseff. Nesse ponto, portanto, independentemente da coloração partidária de quem foi alçado à Presidência da República, todos têm algo em comum: concordam com a necessidade da reforma da Previdência. Mesmo que em seus discursos atuais neguem, sabemos que basta consultar jornais da época para a dúvida se dissipar. No início do ano passado, Dilma e seus ministros da Casa Civil e da Fazenda prometiam uma reforma semelhante à de hoje.
Os dados da pesquisa Pulso Brasil – pesquisa mensal da Ipsos Public Affairs – realizada em abril, em todo o território nacional, reflete essa confusão de ideias e traz resultados interessantes. Vamos a eles.
Segundo essa pesquisa, 62% dos entrevistados acreditam não haver déficit na Previdência. Trata-se de completa desinformação. Oito em cada dez entrevistados são contra a reforma da Previdência e essa rejeição é ainda maior nas classes A e B. Perfeita combinação de desconhecimento com manutenção de privilégios.
Outro fato interessante diz respeito à idade mínima. Quase a metade dos entrevistados pretende se aposentar com pelo menos 60 anos de idade, 28% esperam se aposentar entre 60 e 64 anos e 16%, entre 65 e 69 anos. Apesar de pretenderem se aposentar com pelo menos 60 anos – e muitos deles com mais de 65 anos –, são contra a reforma, que estabelece basicamente a mesma idade para aposentadoria (65 e 62 anos, para homens e mulheres, respectivamente). E isso apenas daqui a 20 anos!
O mesmo se verifica quanto à questão da igualdade na idade mínima entre homens e mulheres. A despeito da reação de parte da “sociedade civil organizada”, 61% dos entrevistados acreditam que a idade de aposentadoria deveria ser igual para mulheres e homens. E esse mesmo porcentual é encontrado quando se consideram apenas as mulheres entrevistadas.
Outro ponto a ser destacado se refere à aceitação popular de privilégios. Reflete uma sociedade em transe. Uma sociedade que clama por redução das desigualdades, mas acredita que a forma de fazê-lo é pela extensão de privilégios, e não pela eliminação deles. Por exemplo, 77% dos entrevistados acreditam que professores dos ensinos fundamental e médio devem ter aposentadorias especiais, 74% defendem aposentadoria especial para trabalhadores rurais e 57%, para policiais. E apenas 32% acreditam que as regras para os servidores públicos devam mudar. Estes últimos resultados chamam a atenção porque essas são categorias de trabalhadores que têm regras de aposentadorias diferentes e muito mais benevolentes do que a grande maioria da força de trabalho formal brasileira. Parece que esses grupos de interesse têm sido eficientes em influenciar a opinião pública.
É o caso de perguntar: por que a sociedade, que clama por menos desigualdade, entende que funcionários públicos e professores do ensino fundamental e médio devem ter aposentadorias especiais, ante inúmeras outras categorias profissionais muito mais expostas a riscos do mercado de trabalho, como empregadas domésticas, metalúrgicos, enfermeiros, bancários e garis, por exemplo?
Outro resultado interessante diz respeito à noção de altruísmo do brasileiro quando o assunto é Previdência. Perguntados se aceitariam alguma perda nas regras da Previdência para melhorar a sociedade, apenas 36% dos entrevistados se mostraram dispostos a isso. E se essa mudança fosse para melhorar a situação de sua família, questionou-se? Aí 53% se mostraram dispostos a aceitar algum sacrifício. Ora, se a maioria está disposta a aceitar algum sacrifício em nome de seus filhos e netos, então temos esperança e, por consequência, uma perspectiva de melhora do bem-estar social. Nossos filhos e netos são, em síntese, a sociedade de amanhã.
Reformar a Previdência é corrigir essas distorções e garantir que ela exista e pague os benefícios amanhã, dando sustentabilidade ao sistema e evitando que o déficit consuma recursos importantes que deveriam ser destinados a áreas como educação, saúde, saneamento e programas focalizados de renda, como o Bolsa Família, que, afinal, beneficiam os mais pobres.
Temos de escolher que tipo de sociedade queremos: a que mantém privilégios para alguns ou a que combate o privilégio e amplia as perspectivas de todos, sobretudo as dos que mais precisam.
*Respectivamente, pesquisador da Fipe e cientista política
extraídaderota2014blogspot
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