Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

A CORROSÃO DO CONSENSO BÁSICO

por Francisco Ferraz.

 Vivemos uma crise multifacetada. Ela é econômica, política, social jurídica, cultural, ideológica e histórica. Mais grave que os aspectos econômicos, sociológicos ou jurídicos da crise, contudo é o seu agravamento político, resultante da Estamos num rumo perigoso.
No Brasil tudo está em questão. A isso nos levou a confusão cultural, normativa e comportamental que resultou da dilaceração do tecido social.
Qualquer sociedade democráticaprecisa institucionalizar valores básicos, subscritos por sua população, para assegurar sua estabilidade e um ordenado e legal processo político de mudança. Quando não há um consenso em torno desses valores básicos ou, quando se instala umconflito radical entre eles, a nação tende a se dividir em dois blocosradicais e excludentes que “hurlent de se trouver ensemble”.
É a conhecida situação da “curva em U”, em que o poder foge do centro e se aloja nos extremos.Este é o caso da Guerra civil, o pior dos conflitos, cujo exemplo emblemático é a Guerra Civil Espanhola que, em julho de 1936, mais que dois blocosdeuorigem a ‘Duas Espanhas’.
Nessa situação parentes e amigosevitam encontrar-se tal a hostilidade que os valores políticos antagônicos provocam entre eles.
A guerra civil é a prova definitiva de que o ódio na politica é muito mais forte que o ódio no amor.
Não nos encontramos nesta situação. Mas o mínimo que se pode dizer é que já estivemos muito mais longe dela... Entre a Espanha da Guerra Civil e o Brasil da crise, a Venezuela Bolivariana de Maduro já se encontra muito próxima de uma guerra civil. Estamos ainda longe da situação espanhola, mas não tão longe da Venezuelana.
Atente-se para alguns valores essenciais à vida social organizada que se encontram em conflito, contestação e deslegitimação no Brasil:
1. Democracia Direta para corroer a Democracia Representativa
• Única condenação legítima é pelo voto: implica em desqualificação da legislaçãopenal.
• Pressão por convocação de Constituintes, Plebiscitos, Referendos e Reformas Políticas para substituir competências já definidas do legislativo e STF.
• Manifestações com militantes ‘pagos’ para pressionar, e forçar, decisões legislativas ou jurídicas em normal tramitação no Congresso e no STF.

2. Quebra do consenso: tudo está em questão
• Redefinição ‘contra-legem’ dafamília; do regime jurídicodo funcionalismo (greve ); daeleição direta de dirigentes de órgãos públicos.
• Família – qual sua conformação em termos de gêneros? Malicioso enquadramento da discussão: família tradicional x família moderna.
• Sexo: se escolhe ou é pré-determinado ao nascimento? Uso de sanitários é de livre escolha?
• Democracia: qual averdadeira democracia – a representativa ou a democracia direta?
• Qual o valor estruturante da democracia? Igualdade e Liberdade Política ou Igualdade econômica e social?
• Liberdade econômica macro: quem deve se ocupar da atividade econômica: livre iniciativa ou os órgãos do estado?
• Propriedade privada é legítima e legalmente protegida ou tem uma legitimidade discutível e precária? A ‘invasão’ é delito ou é um direito?
• O lucro é uma conquista legítima ou um roubo sujeito à expropriação? O mercado é necessário ou prejudicial?
• A escola deve transmitir conhecimentos ou ideologia? Educação ou doutrinação? É legítimo e legal a censura por deliberada exclusão?
É óbvio que, na prática política, ideologia e doutrinação serão eufemisticamente definidos como ‘espírito crítico’.
• O criminoso é responsável por seus atos ou é a vítima?
• Liberdade de imprensa é uma garantia de liberdade ou é o abuso dos proprietários?
• Qual o critério legítimo para a promoção salarial ou na carreira: desempenho (mérito) ouconfiança política?
• Símbolos religiosos não podem ser expostos em público ou é direito de qualquer religião expor seus símbolos?
• A vida humana é sagrada ou instrumental?
• O que é a legalidade? O estado democrático de direito, suas instituições e normatividade ou esses são apenas atributos formais, inferiores aos critérios substantivos?
• O que é golpe de estado? Um conceito jurídico-político ou um termo usado na disputa política de significado arbitrário?
• Como entender esta frase: Seguir a virtude prejudica o país? (prejuízos e custos da Lava Jato).
3. Destruição da dignidade dos poderes e das funções 
• Plenário do Congresso como palco para danças folclóricas, reunião indígena, concentração de minorias organizadas.
• Ocupação da mesa do Senado por senadores de um partido.
• Legisladores usando cartazes, igualando-se a manifestantes.
• Cenas de pugilato, ‘cuspidas’.
• Obstrução invasiva apoiada por legisladores.
Como se constata, tudo é contestado. E quando tudo é contestado corrói-se o consenso básico.
Não se trata de um consenso absoluto e irreal. Trata-se de um consenso em valores básicos, centrais e de elevada hierarquia, mediante o qual a política e a administração são previsíveis; contêm regras que os cidadãos conhecem, praticam e as instituições protegem; e se consolida numa organização política democrática, unida em torno desses valores e dividida em torno de políticas públicas.
Quando tal não sucede, quando tudo é contestado, quando tudo está sempre aberto a mudanças, o que resulta é uma democracia instável, imprevisível, de precária legitimidade e duração. Tais democracias tendem a desembocar no totalitarismo, na ditadura populista ou na cronificação da instabilidade, o que parece ser o caso do Brasil.
A listagem apresentada permite identificar no mínimo 40
questões intensa e radicalmente divisivas.
Considere-se, entretanto, que nenhuma dessas questões é de importância periférica ou secundária. São todas elas indispensáveis para a configuração política, econômica, social, jurídica e cultural do país e para a qualidade de sua democracia.
A indagação que se impõe é de hierarquia correspondente à gravidade do nosso desafio como nação democrática:
“Como uma nação com tal grau de conflito em seus valores básicos poderá construir e manter uma democracia moderna, autêntica e estável?”

* Professor de Ciência Política, ex-reitor da UFRGS, pós-graduado pela Universidade de Princeton,  criador e diretor do site Política para Políticos










































extraídadepuggina.org

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