por Ruy Fabiano Com Blog do Noblat - O Globo
Pouco importa que essa jurisprudência tenha se estabelecido há menos de um ano – mais precisamente, em outubro do ano passado – e que, de lá para cá, a composição da Corte seja praticamente a mesma, com uma única alteração, decorrente da morte de Teori Zavaski, sucedido por Alexandre de Moraes.
Não é comum tal procedimento, para dizer o mínimo. Uma jurisprudência decorre de ampla análise e debate, em que os prós e os contras são avaliados e submetidos a votação. Como o fez o STF. Comum, sim, é uma antiga jurisprudência, que o tempo e a legislação tornaram anacrônica, ser revista. Mais uma que nem sequer chegou a aniversariar é um fato singular.
Por 6 a 5, o STF entendeu, naquela oportunidade, que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede a prisão após condenação em segunda instância e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, impetradas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pela OAB.
O caso começou a ser analisado pelo Plenário em 1º de setembro de 2016, quando o relator das duas ações, ministro Marco Aurélio, votou contra a prisão em segunda instância. Contudo, um mês depois, com a retomada do julgamento, foi voto vencido.
Prevaleceu o entendimento de que a norma não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias.
Entre os que assim pensavam – e votaram – estavam os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que agora informam ter mudado de opinião. E é Gilmar Mendes, coadjuvado por Marco Aurélio, que propõe a reabertura do debate.
Ele e Toffoli converteram-se à tese do relator, segundo a qual a prisão em segunda instância fere o artigo 5º, inciso LVII da Constituição, que estabelece que a presunção de inocência permanece até o trânsito em julgado – isto é, até que se esgote o último recurso.
A jurisprudência agora contestada considera que o direito aos recursos pode ocorrer com o condenado preso, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos. Foi o que sustentou a presidente do STF, Cármen Lúcia, ao dar o voto de minerva na questão, argumentando que, quando a Constituição estabelece que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, “não exclui a possibilidade de ter início a execução da pena”.
Com a mudança dos votos de Gilmar e Toffoli, o placar anterior se inverte. E há ainda a possível adesão de Alexandre de Moraes. A lei processual brasileira permite uma infinidade de recursos, que, somados à lerdeza do Judiciário, levam com frequência a que os processos prescrevam antes de serem julgados.
Paulo Maluf, por exemplo, tem sido historicamente beneficiário histórico dessa anomalia processual. Seus processos prescreveram antes do julgamento. Tornou-se um inocente por decurso de prazo, ainda que procurado pela Interpol e condenado na França.
Basta um bom escritório de advocacia para acionar todos os mecanismos processuais disponíveis. Lula – mas nem de longe só ele – será o grande beneficiário dessa mudança.
Se condenado em segunda instância, terá a ficha suja, mas figurará na campanha do ano que vem como cabo eleitoral – e já o antevê, ao lançar três nomes como possíveis candidatos do PT: Fernando Haddad, Fernando Pimentel e Jacques Wagner - não por acaso, todos denunciados na Lava Jato. Pimentel já como réu.
Com essa revogação, o instituto da delação premiada perde eficácia, já que os condenados passam a contar com a burocracia processual, que os manterá soltos por muitos anos, talvez para sempre. É possível que a delação de Antonio Palocci nem saia, já que a mudança pode ocorrer a qualquer momento.
Figuras como Eduardo Cunha, o próprio Palocci, João Vaccari, Marcelo Odebrecht, entre outros, voltariam para casa. Não lhes faltam bons advogados para inseri-los no turbilhão processual. Com isso, acabaria a Lava Jato. E esse parece ser o objetivo.
Essa estratégia conta, por motivos óbvios, com amplo apoio nos outros dois Poderes. Considera-se que as manifestações de rua, único fator inibidor de expedientes como esse, já arrefeceram e não mais se repetirão. A conferir.
O que é certo é que a diluição de culpas, com a exposição presente das falcatruas no Judiciário, pela publicação dos salários astronômicos de juízes de primeira instância e desembargadores, confunde a opinião pública. Com os três Poderes no banco dos réus, alguns desistem por se sentirem impotentes, outros namoram a intervenção militar e outros ainda falam em desobediência civil.
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