por Luiz Felipe Pondé Folha de São Paulo
Dito de forma direta: não temos a mínima ideia de como a ordem social se dá.
Uma das maiores falácias do nosso debate é a tentativa de dar uma
fundamentação à ordem social que seja "clara e evidente". Quantas horas
perdidas dos alunos fazendo com que eles acreditem em ideias cozidas nos
gabinetes dos intelectuais, fruto de teorias tão "metafísicas" (ou
mais, até) do que a do pecado original.
Alguns dizem que foi a corrupção de uma natureza humana que vivia em
eterno equilíbrio no campo. Outros dizem que foi uma guerra geral de
todos contra todos. Outros ainda que são os afetos que fundamentam a
sociedade. Tampouco foi uma luta de classes, nem os desígnios de um Deus
misericordioso (todas hipóteses metafísicas, igualmente).
Pode-se dizer o que quiser: a verdade é que numa sociedade distante dos
bandos paleolíticos (nos quais a solidariedade interna ao bando parecia
ser o modo de vida na época) como a nossa, gigantesca e permeada por
"parcerias sem empatias pessoais", complexa e caótica, nada se sabe
sobre um "fundamento" a ser descoberto que iluminaria o modo de criar
uma "engenharia social ou política" capaz de mudar tudo. Não temos
aparelho cognitivo que dê conta de uma tão vasta "narrativa".
Ninguém sabe como se organiza a sociedade de modo profundo. Nosso modo
de viver evoluiu de forma espontânea até chegarmos a essa "ordem
expandida" que é a sociedade histórica humana. Por espontânea aqui não
quero dizer que não existiram modos de constrangimento, violência,
parcerias não conscientes, medos, crenças espirituais e avanços técnicos
racionais. Quero dizer que a soma total desses tópicos não produz um
mapa suficiente para entendermos o que se passou ou o que se passa na
humanidade. Não há uma chave mestra que abra essa caixa de Pandora.
É aqui que se encontra a pedra de toque daqueles que, como eu, entendem a
noção de mercado como essencial para nos ajudar a entender essa ordem
espontânea, justamente porque ela é dispersa, concreta, ambivalente,
imprecisa,
sem ter sido criada de modo "racional" por ninguém especificamente, mas
empiricamente compreensível na prática cotidiana de todos nós, mesmo
daqueles que mentem sobre isso.
O comércio parece ser uma rota rica para entendermos o modo das pessoas
de se relacionarem de forma espontânea e generalizada. O mercado é um
conceito moral, além de político ou econômico. Cheio de sombras,
fantasmas e riscos –só mal informados acham o mercado um papai bondoso–,
ninguém "criou o mercado", como pensa a nossa vã filosofia. Ele brotou
do comportamento caótico humano, buscando estabelecer relações de
sobrevivência, e, portanto, morais.
O erro crasso da ignorância sobre esse assunto é facilmente detectável:
quem pensa que o mercado é um conceito prioritariamente econômico erra. O
mercado é, antes de tudo, uma realidade moral: o modo com que os seres
humanos, sem saber precisamente como, chegaram a viver e colaborar de
forma não consciente, mas razoavelmente eficaz.
O mercado é, também, uma estrutura de coleta e disponibilização de informação.
As mídias sociais representam essa realidade no plano imediato da
acessibilidade da informação, por isso estão nos ensinando mais sobre
nós do que anos de especulação das ciências humanas engajadas.
Uma das marcas essenciais desse mercado é o modo como a informação
dispersa se organiza para produzir riqueza, regras, instituições. Gera
com isso, também, sofrimentos de todos os tipos, devido a ambivalências
dos atores envolvidos. Num certo sentido, somos incapazes de saber
exatamente como tudo isso funciona porque não temos recursos cognitivos
ou epistêmicos (isto é, recursos imediatos ou organizados de
conhecimento) para mapear esse gigantesco processo que nos une e, ao
mesmo tempo, nos afasta, mas que garante o funcionamento de um nível de
riqueza e liberdade individual jamais visto no mundo.
Para saber mais sobre isso, leia "Os Erros Fatais do Socialismo" (Faro
Editorial, 2017) de F.A. Hayek (1899-1992). Segundo Roger Scruton, um
dos maiores pensadores da nossa época.
extraídaderota2014blogspot
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