editorial do Estadão
Como se estivesse num fim de feira, quando se faz de tudo para convencer
o freguês a levar uma mercadoria que ele não quer de jeito nenhum, o
relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP),
informou que vai alterar a proposta que institui o famigerado fundo
para financiar campanhas eleitorais. Quando abriu sua banquinha, o
relator havia incluído no seu texto a destinação de 0,5% das receitas
orçamentárias da União para o tal fundo, o que daria algo em torno de R$
3,6 bilhões. Diante da imensa repercussão negativa, o deputado admitiu
que a freguesia tomou um “susto”, pois se tratava de “uma ousadia, muito
desproporcional”, e agora diz que “R$ 2 bilhões é um valor razoável”.
Isso não pode ser sério. Em primeiro lugar, nenhum valor pode ser
considerado “razoável” para compor o tal fundo, pois a própria
existência do financiamento público de campanha contraria a essência da
democracia representativa, na qual os partidos, como entidades privadas,
devem ser financiados por seus apoiadores pessoas físicas, e somente
por eles. Com o fundo público, todos os contribuintes são obrigados a
pagar as despesas de partidos com os quais não têm nenhuma afinidade. Ao
contrário do que se diz por aí, esse não é o “preço da democracia”, e
sim o preço da confusão entre o público e o privado no Brasil.
Portanto, é falsa a discussão sobre se o estabelecimento de um fundo de
financiamento eleitoral é oportuno ou não no momento em que o País
aperta os cintos no imenso esforço para reequilibrar as finanças
públicas. O problema não é esse. Mesmo que a situação fiscal do País
fosse excelente, seria um despropósito destinar recursos públicos para
os partidos e seus candidatos.
Ademais, mas não menos importante, a disposição do relator Vicente
Cândido de pechinchar o valor do tal fundo indica o caráter aleatório e
errático da proposta. Se R$ 2 bilhões são “razoáveis”, por que então
propôs incríveis R$ 3,6 bilhões em primeiro lugar? Quais os critérios
que nortearam a proposta inicial? Por que se estabeleceu como meta 0,5%
das receitas líquidas da União, e não 0,6% ou 0,4%? E qual é o critério
que torna R$ 2 bilhões “razoáveis”? Por que não R$ 1 bilhão?
São perguntas a que, já está claro a esta altura, ninguém sabe responder
em meio à balbúrdia da xepa que se instalou na comissão de reforma
política. As propostas são feitas, modificadas ou retiradas sem que haja
o menor traço de coerência, planejamento ou clareza. A única coisa que
está suficientemente evidente para o eleitor é que, a julgar pelos
procedimentos na comissão, o resultado final será extremamente danoso
para o País, exceto, como eles próprios esperam, para os atuais
parlamentares.
Assim, explicam-se as “jabuticabas” em debate na comissão, como a
criação do “distritão”, sistema em que as eleições para a Câmara
passariam de proporcionais a majoritárias, favorecendo assim os
candidatos que já são conhecidos ou por terem mandato ou por serem
famosos. “O distritão não é uma jabuticaba, é um jabuticabal”, explicou o
cientista político Bolívar Lamounier em entrevista ao Valor.
Segundo ele, a fórmula acabará com a renovação da Câmara porque só vão
ganhar as eleições os “Tiriricas”, ou seja, os nomes lembrados pelo
eleitorado. “Teremos um tirirical”, ironizou.
Diante da óbvia resistência ao distritão, que acabou por adiar a votação
da reforma, os imaginosos parlamentares agora propõem o “distritão
misto”, em que o eleitor pode votar no candidato ou no partido. Os votos
para o partido seriam distribuídos para os candidatos de forma
proporcional à sua votação individual. É mudar para tudo continuar
igual. Mas alguns deputados estão animados e acham que esse sistema,
inexistente no resto do mundo, será aceito pela população.
A votação, no plenário da Câmara, da reforma política está prevista para
a próxima terça-feira. O entra e sai de propostas esdrúxulas, a
indisfarçável intenção de conseguir dinheiro fácil para as campanhas
eleitorais e a total ausência de compromisso com os reais interesses do
País desautorizam qualquer esperança de que a reforma que vem aí servirá
para melhorar o desmoralizado sistema político nacional.
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