por Diogo R. Coutinho Folha de São Paulo
As agências reguladoras brasileiras, criadas no bojo das reformas
liberalizantes dos anos 1990 e 2000, encontram-se numa encruzilhada e
seu destino está, em boa medida, nas mãos do Supremo Tribunal Federal.
Nesta quinta (17) a corte deverá julgar a ADI (Ação Direta de
Inconstitucionalidade) 4.874, cuja decisão será essencial no lento e
hesitante processo de construção institucional da regulação econômica no
país.
A ADI trata, entre outros aspectos, do poder normativo da Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O imbróglio que levou o caso
ao Supremo sobreveio com a edição, pela agência, de resolução que veta
aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco.
A Anvisa proibiu o uso de palavras como "light", "suave" e "soft" nos
maços de cigarro, além de ter desautorizado a utilização de agentes
flavorizantes e semelhantes, que deixam os cigarros mais atraentes para
fumantes e também para quem não fuma.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), autora da ADI, questiona a
constitucionalidade do inciso 15º do artigo 7° da lei federal 9.782/99,
que criou a Anvisa e definiu suas atribuições.
Para a CNI, a agência estaria extrapolando de forma ilegítima suas
competências ao interditar o uso de aditivos. Sustenta ainda que eles
não acarretam danos adicionais à saúde. Contra tal pleito, a Anvisa
argumenta que lei lhe deu, como órgão técnico, competência explícita
para avaliar o que é "risco iminente à saúde".
Rebate ainda a ação ao defender que os produtos fumígenos tendem a criar
novos contingentes de fumantes, em especial entre os jovens. De forma
correta, entende que seu papel também é preventivo (regulação de riscos)
e que tal possibilidade se enquadra em sua missão institucional.
A própria concepção e a efetividade da ação reguladora do Estado nos
mais diferentes setores da economia estão em jogo nesta ação.
Para além das peculiaridades do caso em debate, a decisão da ADI 4.874
refere-se, em última análise, ao reconhecimento, pelo Supremo, do poder
normativo (derivado de delegação legislativa) das agências reguladoras
em geral.
A construção de um modelo de regulação da atividade econômica baseado em
agências independentes e autônomas pressupõe que tais órgãos possam
demarcar o campo de ação de agentes privados e, se necessário, impedir
que adotem certas medidas –neste tipo de caso, levando-se em conta
aspectos de saúde pública.
No entanto, persiste o mito segundo o qual regulamentos expedidos por
órgãos reguladores não podem "inovar a ordem jurídica", isto é, criar
direitos e obrigações não previstos explicitamente em lei.
Reguladores, em síntese, não poderiam legislar. Trata-se de uma falácia que tapa o sol com a peneira.
A disputa conceitual e binária acerca da diferença entre legislar e
regular, como se houvesse fronteira clara entre ambos, é infértil e
diversionista. Criar normas por meio de poder normativo a elas conferido
por lei é parte das tarefas de agências reguladoras onde quer que a
regulação seja levada a sério.
Havendo excessos, claro, o controle democrático e judicial da regulação
haverá de contê-los, cabendo ao Congresso disciplinar a extensão do
poder das agências por meio de normas que criem e institucionalizem
instrumentos de transparência, estudos de impacto regulatório e
mecanismos de controle e participação social.
DIOGO R. COUTINHO, doutor em direito pela USP, é professor de direito econômico na mesma universidade
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