editorial do Estadão
Não é raro ouvir insinuações – e, algumas vezes, não são apenas
insinuações – de que todas as instituições políticas estão podres. Para
pôr o País nos eixos seria necessário, pregam essas vozes, implodir tudo
o que está aí e, só depois, reconstruir um novo sistema político, limpo
de toda a corrupção. A prova cabal do estado geral de putrefação moral
da política nacional teria sido dada pela Operação Lava Jato, ao revelar
tantos e tão graves crimes praticados por políticos de variados
partidos.
A Lava Jato, no entanto, não ofereceria apenas a confirmação de tanta
sujeira. Segundo essa linha de raciocínio, a famosa operação também
serviria para evidenciar ao País qual é a única instituição apta a levar
adiante esse trabalho de purificação nacional – o Ministério Público.
Todas as instituições estariam carcomidas por práticas ilegais de seus
membros, com exceção do Ministério Público.
Tal visão das coisas equivoca-se não apenas ao generalizar
indistintamente a corrupção nas instituições políticas, pois, como é
evidente, há gente honesta no mundo da política e nem tudo está
inservível, como propagam os profetas do caos. O raciocínio também deixa
escapar a realidade humana, e necessariamente falível, do Ministério
Público.
O que poderíamos chamar de lado frágil do Ministério Público ficou
evidente na última reunião do Conselho Superior do Ministério Público
Federal (CSMPF), quando seus membros decidiram incorporar, na proposta
orçamentária do órgão, um reajuste de 16,38% ao contracheque dos
procuradores federais.
Em primeiro lugar, o aumento pretendido pelos procuradores manifesta uma
escandalosa indiferença com a realidade social do País, que luta por
superar a mais grave recessão econômica de sua história, acompanhada de
gravíssima crise fiscal. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o contingente total de desempregados é de 13,771
milhões de pessoas, com uma taxa de desemprego de 13,3%. A situação é
essa e os procuradores pleiteiam aumento de 16,38% em seus salários?
Além da insensibilidade com a difícil situação dos cidadãos comuns –
esse povo cujo salário inicial bruto não é de R$ 28 mil, valor-base dos
procuradores da República –, o aumento salarial pretendido pelo MPF está
na contramão do que o País tanto precisa: o ajuste fiscal. Estima-se
que os 16,38% a mais no bolso dos procuradores tenham um impacto anual
de R$ 116 milhões.
Como se sabe, as despesas do Estado estão muito acima de suas receitas e
é necessário, com urgência e de forma continuada, cortar gastos. A
situação é drástica e envolve muitas frentes. Após longa batalha
parlamentar, foi aprovada a PEC do Teto dos Gastos e agora o Congresso
tem o desafio de não deixar no papel a reforma da Previdência. Como
esforço para o cumprimento da meta fiscal de 2017, o governo federal
cortou mais R$ 5,9 bilhões do Orçamento – antes já havia cortado R$ 39
bilhões – e aumentou o PIS e Cofins para os combustíveis. Ou seja, o
esforço por reequilibrar as contas do Estado atinge a todos, exceto,
essa é a pretensão do Conselho Superior do MPF, os procuradores da
República, que esperam ganhar no ano que vem mais 16,38% do que
atualmente ganham.
Fica difícil acreditar que esse tipo de mentalidade, tão interessado no
próprio bolso e tão indiferente à situação do País e dos brasileiros,
seja capaz de promover a apregoada renovação moral e institucional. É
mais crível que a recolocação do País nos trilhos, também na esfera
moral, venha a ocorrer pela via oposta, com a diminuição de
corporativismos e a redução dos privilégios. Certamente, o Ministério
Público tem um importante papel institucional a cumprir na “defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis”, como lhe atribui a Constituição de 1988.
Justamente por essa imprescindível missão, os inegáveis méritos do seu
trabalho ao longo dos últimos anos, não apenas com a Lava Jato, não
podem ser convertidos em imorais pretensões salariais.
extraídaderota2014blogspot
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